São Paulo, terça-feira, 14 de junho de 2005

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JULGAMENTO

Decisão do júri em Santa Barbara representa o direito de Jackson a um dia-a-dia marcado pela excentricidade

Veredicto mostra vitória da privacidade

DA CALIFÓRNIA

"Respeitem minha esquisitice." Se tem uma lição que Michael Jackson ensinou ao mundo com o veredicto de ontem foi essa. Respeitem a privacidade de alguém que quer viver como um garoto, ter amiguinhos de 12 a 14 anos e convidá-los para dormir na casa dele depois de passar o dia inteiro juntos, sempre com a anuência e, às vezes, o estímulo dos pais dos tais amiguinhos.
Respeitem sua vontade de alisar o cabelo, de clarear a pele, de afinar o nariz (o dele, o dos pais dele, o dos irmãos, o das irmãs LaToya e Janet, para quem Michael pagou cirurgias plásticas para que todos continuassem pelo menos no exterior parecendo membros da mesma família). Respeitem sua vontade de usar roupas estranhas com faixas nos braços.
Ao mesmo tempo, o "julgamento do século" que acabou não acontecendo vai ficar marcado na estranha vida de Jackson como uma surra de cinta fica marcada na vida de qualquer criança que faz uma besteira maior do que as normais, banais, corrigidas com um tapinha no pulso ou uma noite sem TV. Foi o "preste atenção" mais severo possível, com direito a humilhação pública e horas e horas e horas sentado na frente de um juiz, vários advogados, 12 jurados e centenas de jornalistas sedentos por qualquer tipo de informação.
Agora, porém, ele aprendeu a lição. Ou foi essa a impressão que deixou quando fez uma única declaração pública assim que foi indiciado neste caso. Disse que se arrependia de ter resolvido o caso anterior, quando foi acusado de molestar sexualmente outro garoto, fora do tribunal, pagando US$ 23 milhões (cerca de R$ 57 milhões) à família deste. Dessa vez, afirmou, iria até o fim da história, ainda que doesse, ainda que fizesse o garoto de 13 anos que existe dentro dele virar um homem de 46, a idade real do cantor, em apenas seis meses.
E jurou que nunca mais se deixaria levar pelos encantos de nenhum amiguinho menor.
Desde o dia 31 de janeiro, Michael estava de castigo. O que ele aprontou para merecer isso foi dar uma entrevista a Martin Bashir, um dos jornalistas mais suspeitos a ser desmamado pela parte sensacionalista da mídia britânica. Na reportagem televisiva "Living with Michael Jackson", que deu origem ao caso, o músico mostrava que tinha um "amiguinho especial", que por falta de sorte pertencia a uma das famílias mais suspeitas de Los Angeles.
Bashir já foi acusado de conseguir entrevistas com celebridades na base da chantagem e de promessas falsas. Foi ele quem entrevistou a princesa Diana em 1995, quando ela contou ao mundo que Camila Parker-Bowles era amante de seu então marido, o príncipe Charles desde antes do casamento. Bashir teria convencido Diana mostrando documentos falsos, segundo os quais o serviço secreto havia contratado um assassino para matá-la.
Já Janet Arviso, a mãe da ex-suposta vítima, fraudou a previdência norte-americana e levou milhares de dólares de uma loja de departamentos norte-americana ao dizer que tinha apanhado e sido apalpada sexualmente pelos seguranças da empresa, acusações que depois disse ter inventado por pressão do ex-marido, que supostamente a espancava.
Segundo seu próprio testemunho, teria presenciado Jackson lamber a cabeça de seu filho e não fez nada. Quando teria ouvido de seu filho que este tinha sido molestado sexualmente, disse que procurou primeiro o mesmo advogado que já havia atuado num caso semelhante contra o músico para só então ir à polícia.
A vitória da esquisitice de Michael Jackson contra a obsessão de Tom Sneddon e a ganância de Janet Arviso, o caso "O Povo contra Michael Jackson", lembra outro caso, "O Povo contra Larry Flynt", que virou filme nas mãos de Milos Forman em 1996. Neste, a vitória do mau gosto significava a vitória da liberdade de expressão, nem que esta liberdade de expressão fosse usada para mostrar o que a revista pornográfica "Hustler" mostra. Agora, a inocência de Michael Jackson é a vitória da privacidade, num mundo cada vez mais obcecado com a celebração da celebridade a qualquer preço. (SÉRGIO DÁVILA)


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