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JULGAMENTO
Decisão do júri em Santa Barbara representa o direito de Jackson a um dia-a-dia marcado pela excentricidade
Veredicto mostra vitória da privacidade
DA CALIFÓRNIA
"Respeitem minha esquisitice."
Se tem uma lição que Michael
Jackson ensinou ao mundo com o
veredicto de ontem foi essa. Respeitem a privacidade de alguém
que quer viver como um garoto,
ter amiguinhos de 12 a 14 anos e
convidá-los para dormir na casa
dele depois de passar o dia inteiro
juntos, sempre com a anuência e,
às vezes, o estímulo dos pais dos
tais amiguinhos.
Respeitem sua vontade de alisar
o cabelo, de clarear a pele, de afinar o nariz (o dele, o dos pais dele,
o dos irmãos, o das irmãs LaToya
e Janet, para quem Michael pagou
cirurgias plásticas para que todos
continuassem pelo menos no exterior parecendo membros da
mesma família). Respeitem sua
vontade de usar roupas estranhas
com faixas nos braços.
Ao mesmo tempo, o "julgamento do século" que acabou não
acontecendo vai ficar marcado na
estranha vida de Jackson como
uma surra de cinta fica marcada
na vida de qualquer criança que
faz uma besteira maior do que as
normais, banais, corrigidas com
um tapinha no pulso ou uma noite sem TV. Foi o "preste atenção"
mais severo possível, com direito
a humilhação pública e horas e
horas e horas sentado na frente de
um juiz, vários advogados, 12 jurados e centenas de jornalistas sedentos por qualquer tipo de informação.
Agora, porém, ele aprendeu a lição. Ou foi essa a impressão que
deixou quando fez uma única declaração pública assim que foi indiciado neste caso. Disse que se
arrependia de ter resolvido o caso
anterior, quando foi acusado de
molestar sexualmente outro garoto, fora do tribunal, pagando US$
23 milhões (cerca de R$ 57 milhões) à família deste. Dessa vez,
afirmou, iria até o fim da história,
ainda que doesse, ainda que fizesse o garoto de 13 anos que existe
dentro dele virar um homem de
46, a idade real do cantor, em apenas seis meses.
E jurou que nunca mais se deixaria levar pelos encantos de nenhum amiguinho menor.
Desde o dia 31 de janeiro, Michael estava de castigo. O que ele
aprontou para merecer isso foi
dar uma entrevista a Martin Bashir, um dos jornalistas mais suspeitos a ser desmamado pela parte sensacionalista da mídia britânica. Na reportagem televisiva
"Living with Michael Jackson",
que deu origem ao caso, o músico
mostrava que tinha um "amiguinho especial", que por falta de
sorte pertencia a uma das famílias
mais suspeitas de Los Angeles.
Bashir já foi acusado de conseguir entrevistas com celebridades
na base da chantagem e de promessas falsas. Foi ele quem entrevistou a princesa Diana em 1995,
quando ela contou ao mundo que
Camila Parker-Bowles era amante de seu então marido, o príncipe
Charles desde antes do casamento. Bashir teria convencido Diana
mostrando documentos falsos,
segundo os quais o serviço secreto
havia contratado um assassino
para matá-la.
Já Janet Arviso, a mãe da ex-suposta vítima, fraudou a previdência norte-americana e levou milhares de dólares de uma loja de
departamentos norte-americana
ao dizer que tinha apanhado e sido apalpada sexualmente pelos
seguranças da empresa, acusações que depois disse ter inventado por pressão do ex-marido, que
supostamente a espancava.
Segundo seu próprio testemunho, teria presenciado Jackson
lamber a cabeça de seu filho e não
fez nada. Quando teria ouvido de
seu filho que este tinha sido molestado sexualmente, disse que
procurou primeiro o mesmo advogado que já havia atuado num
caso semelhante contra o músico
para só então ir à polícia.
A vitória da esquisitice de Michael Jackson contra a obsessão
de Tom Sneddon e a ganância de
Janet Arviso, o caso "O Povo contra Michael Jackson", lembra outro caso, "O Povo contra Larry
Flynt", que virou filme nas mãos
de Milos Forman em 1996. Neste,
a vitória do mau gosto significava
a vitória da liberdade de expressão, nem que esta liberdade de expressão fosse usada para mostrar
o que a revista pornográfica
"Hustler" mostra. Agora, a inocência de Michael Jackson é a vitória da privacidade, num mundo
cada vez mais obcecado com a celebração da celebridade a qualquer preço.
(SÉRGIO DÁVILA)
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