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MEMÓRIA
Stalinista, que tinha 91 anos, também era escritor e pintor e se opunha à modernização da esquerda; Lisboa decreta luto
Morre Álvaro Cunhal, líder do PC português
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Morreu ontem em Lisboa, aos
91 anos, Álvaro Cunhal, dirigente
histórico do Partido Comunista
Português e provavelmente um
dos últimos stalinistas da esquerda européia. O governo decretou
luto oficial para amanhã, quando
de seu sepultamento.
A causa de sua morte não foi divulgada. O pormenor coincide
com o sigilo com o qual Cunhal
sempre protegeu sua vida particular. Só nos anos 70 revelaria em
público ser o pai de uma adolescente, Ana Maria, nascida em
1960, quando ele vivia na clandestinidade com uma militante comunista, que se soube bem depois
se tratar de Isaura Dias.
E foi apenas há dez anos que ele
disse ser o misterioso escritor que
usava o pseudônimo de Manuel
Tiago, autor de quatro romances,
o primeiro deles "A Casa de Eulália", publicado em 1927. Outro
pseudônimo seu foi o de Antônio
Vale, com o qual se tornou um artista plástico mediano.
Mas foi como um comunista
que Álvaro Cunhal viveu de modo quase integral 74 anos de sua
vida. Foi um homem frio, duro.
Seus cabelos brancos eram abundantes. Raramente sorria.
Os anos de clandestinidade durante a ditadura salazarista (1933-74) fizeram com que ele preferisse
a disciplina às discussões internas. Seu apego ao marxismo era
dogmático, quase teológico.
O PCP clandestino, sob seu comando, tornou-se por muitos
anos a única força da oposição estruturada ao salazarismo. Mas como contrapartida vieram os expurgos de lideranças influenciadas por idéias marxistas menos
anacrônicas e mais democráticas.
A clandestinidade e a repressão
oficial não explicam essa maneira
de ser de um partido e de seu chefe. Na Espanha da ditadura de
Francisco Franco, o Partido Comunista aderiu sem problemas a
uma concepção de sociedade baseada no pluripartidarismo e na
alternância de poder.
Sob o comando de Santiago
Carrillo, secretário-geral entre
1960 e 1981, os comunistas espanhóis adotaram o chamado "eurocomunismo", proposto pelos
comunistas da Itália, que se afastavam da então União Soviética e
defendiam a mesma idéia de democracia que os demais partidos
da esquerda reformista européia.
Sob Álvaro Cunhal, os comunistas portugueses aplaudiram
em 1968 a intervenção militar soviética na então Tchecoslováquia.
Cunhal também combateu a perestroika desencadeada em Moscou por Michail Gorbatchov. A
queda do Muro de Berlim (1989) e
o colapso dos regimes comunistas
da Europa Oriental não abalaram
em nada suas convicções.
Ainda em 2000, já enfermo e
afastado da direção partidária, ele
enviou mensagem ao 17º Congresso do PCP em que alertava
contra os "desvios" de conteúdo
social-democrata.
Álvaro Barreirinhas Cunhal
nasceu em Coimbra. Seu pai era
político e advogado. Mudou-se
ainda menino para Lisboa. Formou-se em direito e, em 1940, deixou por algumas horas a cadeia,
sob escolta, para defender sua tese
de licenciatura pela legalização do
aborto. Foi preso três vezes e passou recluso 15 anos. Integrou o
grupo que em 1960 fugiu espetacularmente do Forte de Peniche.
Tornou-se secretário-geral do
PCP em 1961. Reaproximou-se de
Moscou. Partiu para o exílio e viveu na Rússia, na Tchecoslováquia, na Romênia e na França.
Seu partido tinha uma forte implantação entre oficiais de médio
escalão nas Forças Armadas, corroídas pelas guerras coloniais em
Angola e Moçambique. Foram
basicamente eles que derrubaram
a ditadura em 25 de abril de 1974.
Cunhal, de volta do exílio, foi ministro nos primeiros quatro governos provisórios (1974-75).
Foi eleito deputado entre 1975 e
1992, quando transferiu a direção
do partido a Carlos Carvalhas.
Ontem, o primeiro-ministro
português, o socialista José Sócrates, elogiou a "tenacidade do dirigente morto e suas "profundas
convicções políticas".
Com agências internacionais
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