São Paulo, domingo, 14 de junho de 1998

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ARGENTINA
Para 74% dos moradores de Buenos Aires, Justiça do país deve julgar crimes do regime militar (1976-83)
Prisão de Videla revive ressentimentos

AUGUSTO GAZIR
de Buenos Aires

A prisão do ex-general Jorge Rafael Videla, 73, efetuada na última semana, fez a Argentina voltar a encarar o passado e reviveu os ressentimentos contra o regime militar (1976-83) e as memórias de quem foi reprimido.
A maioria dos habitantes de Buenos Aires (74%) defende que as acusações contra os militares sejam julgadas e os culpados sejam castigados, segundo pesquisa da consultoria política Graciela Romer & Associados.
"O regime foi tão sinistro que as cicatrizes volta e meia se abrem nesse país", afirma a psicóloga Beatriz Castiglioni, 50.
Beatriz esteve presa por 17 dias, em maio de 1977, nas instalações militares de Campo de Maio (oeste da Grande Buenos Aires). Estava grávida de oito meses e conheceu outras mulheres na mesma condição no cativeiro.
Entre elas, a médica Silvia Quintela, hoje desaparecida, mulher de Abel Madariaga, 47. Eles são os supostos pais de Pablo Bianco, 21, um dos menores que o governo de Videla teria sequestrado.
O ex-general, que presidiu a Argentina de 1976 a 81, está preso de forma preventiva desde a última terça-feira, acusado de ser o responsável pelo sequestro e substituição de identidade de Pablo e mais quatro menores.
O juiz Roberto Marquevich, responsável pelos processos, disse que define nesta semana a "situação processual" de Videla, que se negou a depor e quer ser julgado pela Justiça militar.
Pesquisa
De acordo com pesquisa comandada pela cientista política Graciela Romer, dias antes da prisão de Videla, somente 17% dos portenhos preferem esquecer o que ocorreu durante o regime militar. O restante não opinou.
O perfil do entrevistado que reivindica a punição é jovem (entre 18 e 29 anos), eleitor da Alianza (frente de oposição ao presidente Carlos Menem) e de classe baixa.
"As pessoas questionam os atos do governo militar porque existe na sociedade um clamor por Justiça", disse Romer.
"O atual descrédito da Justiça cria um desejo de que se faça as coisas corretamente."
Pesquisa realizada pelo Centro de Estudos União para a Nova Maioria, dirigido pelo cientista político Rosendo Fraga, mostra que o Poder Judiciário tem imagem positiva para 5% dos portenhos. Dos entrevistados, 59% opinaram ter uma imagem negativa do Judiciário.
Na semana passada, a imprensa argentina especulou que a prisão de Videla foi uma manobra política do governo para melhorar sua imagem, principalmente no exterior, quando o presidente Menem tenta na Justiça obter autorização para concorrer a um terceiro mandato.
O governo negou, e o juiz Roberto Marquevich, responsável pelo processo, considerou a idéia uma falta de respeito.
"A prisão não tem impacto na política partidária. O governo não se beneficiará", disse Romer.



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