São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

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Governos, candidatos e organizações não-governamentais encontram nos jogos eletrônicos um novo meio de propaganda

Vídeo game & política

MARCELO STAROBINAS
DA REDAÇÃO

O videogame é um dos meios eletrônicos cujo mercado mais cresce no mundo. Governos, candidatos e grupos que militam pelas mais variadas causas já dedicam atenção especial ao potencial dos jogos como ferramenta de comunicação política e conquista de novos adeptos às suas campanhas.
Pode-se dizer que os EUA estão na vanguarda do desenvolvimento dos games como veículo de propaganda. Com alto poder aquisitivo, 60% da população da superpotência (cerca de 170 milhões de pessoas) jogam algum tipo de videogame com frequência.
A receita com a venda de jogos eletrônicos no país tem crescido exponencialmente -segundo projeções, deve atingir US$ 7,4 bilhões em 2004 (em 2001, foi de US$ 5,9 bilhões).
É com base nessas estatísticas que as Forças Armadas americanas, em parceria com empresas de software, desenvolveram o jogo para computador America's Army (Exército dos EUA).
Num momento em que a segurança interna e operações contra o terrorismo no exterior encabeçam a agenda do presidente George W. Bush, a cúpula militar decidiu produzir e distribuir gratuitamente esses CDs.
O novo game servirá como um anúncio publicitário interativo. Deixam a cena os velhos panfletos e outdoors na linha "America needs you" (a América precisa de você). Entra em seu lugar um game que, ao oferecer aos jovens uma amostra grátis da adrenalina do campo de batalha, poderia atuar como isca para aumentar o volume do recrutamento.
Se vai servir aos interesses do Pentágono ou não só saberemos a partir de agosto, quando America's Army começa a sair encartado em revistas especializadas e a ser distribuído em centros de recrutamento militar.
O uso propagandístico dos games, por enquanto, ainda é sobretudo restrito a jogos alternativos, distribuídos via internet, muitas vezes elaborados com ferramentas simples e recursos financeiros limitados.
Os gigantes dessa indústria, como os japoneses da Sony (fabricante do Playstation) e da Nintendo ou os americanos da Microsoft, se dedicam a fazer produtos dentro de uma lógica comercial.
O teor político ainda não "contaminou" os seus games mais famosos, desenvolvidos dentro de uma grande lógica: a do mercado. Para essas corporações, bons são os joguinhos que vendem muito e em todas as partes (principalmente EUA, Europa e Ásia), pouco importando que tipo de valores eles transmitem aos usuários.
Assim mesmo, as novas idéias sempre costumam partir do "underground", antes de serem adaptadas pelos políticos à procura de novos meios para conquistar seus objetivos.
Um exemplo disso, não por acaso, também vem dos EUA: o governador do Minnesota, o ex-astro da luta livre Jesse Ventura, tinha planos de lançar um game que serviria como propaganda eleitoral para a sua reeleição.
Seus assessores não revelaram como seria esse jogo -e, recentemente, Ventura disse ter desistido de voltar a concorrer ao cargo. O que não invalida a sua idéia, que possivelmente será copiada por outros candidatos mundo afora. Ventura, aliás, surpreendeu o público americano ao se eleger em 1998 concorrendo como um independente -um dos trunfos daquela campanha foi o bom aproveitamento da internet, um meio até então pouco desbravado pelos políticos tradicionais.
"Num ambiente superlotado de mídia, inovar é preciso", disse à agência Associated Press Joseph Turow, professor de comunicações da Universidade da Pensilvânia, indagado sobre o uso de games em campanhas eleitorais. "Se você pode inovar, particularmente se é para atingir eleitores mais jovens ou sem afiliação política, isso é ótimo."

Game antiglobalização
"Há jogos neonazistas, religiosos e aqueles relacionados a políticos ou partidos específicos", observa Andrew Reynolds, jornalista e consultor britânico especializado em games e novas tecnologias, comentando à Folha o variado leque de games "políticos" que têm surgido.
Ele aponta também para o aumento da produção dos "games satíricos" -criados com tecnologia simples e quase sempre disponíveis na internet. "[Esse jogos] costumam ironizar de alguma questão ou pessoa específica."
É o que faz, de forma bem elaborada, State of Emergency (estado de emergência), um dos únicos casos de jogo eletrônico disponível para uma grande marca de consoles (o novo Playstation 2, 30 milhões de unidades vendidas no mundo até maio) com temática escancaradamente política.
Nele, você assume o papel de um "agente da liberdade" enfrentando as grandes corporações que controlam a globalização. É uma forma de despertar nos jovens a curiosidade de entender por que motivos centenas de militantes se dispõem a tomar cacetadas e bombas de gás lacrimogêneo da polícia toda vez que há encontros de órgãos multilaterais como a Organização Mundial do Comércio (OMC) ou o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Desenvolvido por uma empresa escocesa, a Rockstar, "State of Emergency" sofreu pressões após os atentados de 11 de setembro para "suavizar" o seu conteúdo. Com o nacionalismo à flor da pele, os americanos não engoliam mais o fato de o vilão do jogo ser apresentado como a "American Trade Organization" (organização americana de comércio). Temendo um boicote nos EUA, os criadores rebatizaram o inimigo com um nome neutro, "The Corporation" (a corporação).
Vale destacar que, embora com um subtexto de teor potencialmente subversivo e questionador do sistema capitalista, "State of Emergency" se inspira na anarquia dos episódios de Seattle, Praga e Gênova na tentativa de criar um jogo divertido e, obviamente, capaz de atrair os consumidores.
Como afirmou a jornalista e escritora canadense Naomi Klein, a Rockstar de certa forma sequestrou a temática do movimento antiglobalização em benefício de seus propósitos corporativos, que obedecem a uma ordem global voltada ao lucro a todo custo.

Eficácia questionada
Como em toda nova tecnologia, ainda há dúvidas sobre a eficácia do uso político dos games. Como afirma o diretor do Programa de Estudos de Mídia Comparada do Massachussetts Institute of Technology (MIT), Henry Jenkins, os games são mais convincentes "quando confirmam aquilo que já acreditamos, e muito menos eficazes na tarefa de mudar a nossa atitude e comportamento".
"Isso porque qualquer jogo que rompe muito drasticamente com nossa percepção da realidade tem a chance de ser classificado de exagerado ou fantasioso." Na opinião de Jenkins, a natureza interativa dos jogos eletrônicos dificulta o seu uso com fins de propaganda ideológica. O rádio e a TV, que contam necessariamente com a passividade de seus ouvintes e espectadores, são meios que funcionam melhor nesse papel, diz ele.
O que não significa que os games devem ser descartados por aqueles que buscam inovações no mundo da política. Pelo contrário: o seu uso, ainda incipiente, deve ganhar importância à medida que novas descobertas permitirem uma total confluência de meios como a televisão com a internet de banda larga.
Quando isso ocorrer -na verdade já vem ocorrendo-, milhões de pessoas em distintas localidades jogarão em rede games de alta definição. Os jogos ajudarão a formar seus valores e, quem sabe, conquistarão os seus votos.


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