São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

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ENTREVISTA

Para Jenkins, professor do MIT, natureza participativa dos jogos estimula ceticismo; rádio e TV servem melhor à propaganda

Interatividade dificulta uso político do game

DA REDAÇÃO

Embora sejam crescentes os esforços de exploração dos videogames com finalidades políticas, os jogos eletrônicos ainda são menos eficazes que outros meios como o rádio, a TV ou o cinema em processos de propaganda ideológica.
É o que argumenta o professor Henry Jenkins, diretor do Programa de Estudos de Mídia Comparada do Massachussetts Institute of Technology (MIT), nos EUA.
Estudioso dos games e uma das principais referências mundiais sobre os seus efeitos sobre os usuários, Jenkins explica em entrevista por e-mail à Folha que a natureza interativa dos jogos eletrônicos leva as pessoas a adotar posição mais desconfiada e, portanto, menos suscetível a ter suas concepções alteradas em razão do conteúdo dos jogos. Leia a seguir trechos da entrevista. (MARCELO STAROBINAS)

Folha - Até que ponto os videogames já vêm sendo utilizados com finalidades políticas?
Henry Jenkins -
Jogos simples na internet têm sido usados por candidatos em eleições -em geral envolvendo comentários insultuosos sobre seus oponentes. Jogos comerciais, por outro lado, procuram evitar abordar temas políticos a não ser de uma forma razoavelmente objetiva. Eles não gostam de tomar partido, o que poderia alienar consumidores.
Tem havido, entretanto, várias tentativas de simular processos governamentais, como por exemplo em "SimCity", conflitos geopolíticos, como em "Civilization", ações de guerra e policiais ou até mesmo campanhas políticas.

Folha - Os videogames são tão efetivos quanto a TV, a internet ou o jornal para transmitir mensagens políticas? Podem ajudar num processo de fabricação de consenso?
Jenkins -
Isso depende de quais games estamos falando. É possível modelar diretamente o processo de criação de consenso numa comunidade por meio de um massively-multiplayer game (MMG, em que muitas pessoas jogam em rede).
Pode-se argumentar que, como a ação individual pode influir muito mais nos resultados finais num ambiente de jogo que na vida real, os games podem alimentar forte sentimento de democracia participativa. Apesar disso, temos de reconhecer os reais limites dos jogos ou qualquer tipo de mídia em formar as nossas crenças.
Eles tendem a ser mais eficazes quando confirmam aquilo que já acreditamos, e muito menos eficazes na tarefa de mudar a nossa atitude e comportamento. Isso porque qualquer jogo que rompe muito drasticamente com nossa percepção da realidade tem a chance de ser classificado como exagerado ou fantasioso.

Folha - É difícil usar jogos para fazer propaganda política?
Jenkins -
Por muitas razões eu creio que a propaganda funciona melhor em mídias como o cinema e o rádio, que reúnem público em massa e estimulam interatividade limitada. Esses meios têm sido historicamente eficazes ao juntar conteúdo ideológico com experiência emocional. Veja o uso do cinema por todos os grandes envolvidos na Segunda Guerra.
Os games estimulam uma relação muito diferente aos seus consumidores. Ela é baseada em participação, não num consumo ingênuo. E encoraja um ceticismo saudável com relação aos produtores da mídia em vez de uma fé cega nas autoridades.
Não estou dizendo que os games não podem ser produzidos de forma a servir como propaganda. Mas a maioria dos games não parece ser motivada por uma missão política maior e, na verdade, a mesma companhia de games pode produzir conteúdos radicalmente diferentes tendo fantasias e atitudes políticas como subtexto. O que importa é que ela venda para um número de consumidores suficiente para que os games sejam mantidos nas prateleiras.

Folha - No futuro, os videogames podem se tornar uma ameaça à democracia? Grandes corporações e elites políticas podem passar a moldar o conteúdo dos games de acordo com seus interesses?
Jenkins -
Isso é teoricamente possível. Já existem jogos lançados por grupos de extrema direita que incentivam crimes de ódio ou alimentam sentimentos conspiratórios. Muitos joguinhos amadores que foram lançados depois do 11 de setembro alimentam hostilidade cega não só com relação a Bin Laden mas também a todos os árabes americanos. Esses games podem ser preocupantes já que se sustentam sobre outras correntes culturais que vêm encorajando o militarismo e o medo.
O verdadeiro poder dos jogos de computador é que eles nos levam a acreditar que fazemos o futuro por meio de nossas ações, enquanto a lógica do programa é predeterminada por seu criador. A ideologia, assim, pode trabalhar de forma invisível. Tendo dito isso, vale destacar que a maioria dos jogadores compreende esse processo e tenta antecipar essa tendenciosidade do autor para conseguir vencê-lo. Há um intrínseco ceticismo e antagonismo entre o criador do jogo e o jogador que podem fazer dos games menos eficazes como forma de propaganda que os filmes ou a TV.

Folha - O sr. acredita que games com mensagens políticas são capazes de influenciar as opiniões políticas dos jovens que os jogam? Os garotos(as) apenas se divertem ao brincar com videogames, ou também aprendem com isso?
Jenkins -
Parte de nossa premissa em nosso projeto Jogos para Ensinar é que os games podem ser um meio eficaz para a educação. Mas temos de ter clareza em como esse potencial pedagógico é concretizado. Os games não transformam os garotos em radicais políticos mais do que os tornam assassinos psicopatas.
Na verdade, é muito difícil fazer com que as pessoas utilizem no mundo real coisas que aprenderam por meio da fantasia. Usamos a fantasia para experimentar papéis, testar valores, fazer experimentos com situações que não encontraríamos na vida real. Por isso, erguemos barreiras fortes entre a fantasia e a realidade.
Desenvolver jogos para ensinar requer integração sistemática dentro de algum tipo de contexto educacional e não simplesmente uma exposição isolada a eles. E, na maioria dos casos, o poder desses games reside em sua capacidade de confirmar aquilo em que já acreditamos, não em transformar nossas crenças e ações.

Folha - O que o sr. acha dos planos do Exército dos EUA de utilizar games para o recrutamento?
Jenkins -
Será interessante ver se funciona. Vai depender muito de ser um bom jogo ou se os jovens o verão como artificial e propagandístico. É difícil de imaginar um game que traga uma representação realista da experiência militar. Quanto tempo você passa descascando batatas ou observando sargentos gritando em sua cara?
A maioria dos garotos perceberá as tentativas de romantizar a vida militar, embora haja uma parcela dos viciados em jogos que pode estar propensa a se alistar, para a qual isso será um atrativo.

Folha - Qual o papel dos videogames no processo de globalização? Eles ajudam de alguma forma o Ocidente em sua "cruzada" para universalizar valores ocidentais?
Jenkins -
Os games podem ser compreendidos como parte de um processo de globalização em que são commodities que circulam cruzando fronteiras nacionais. Eu questionaria, entretanto, se a ocidentalização ou a americanização seria a melhor forma de descrever as consequências ideológicas desse fenômeno num contexto em que o Japão possui um papel central na produção de games e de tecnologia para jogos.
O atual conteúdo dos games evolui como um diálogo entre o Japão e os EUA à medida que competem pelo controle de um mercado global. Ao mesmo tempo, vemos a emergência de poderosas indústrias de games na região da Ásia-Pacífico e na Europa. Ambos devem ter papéis importantes na formação de nossa compreensão sobre o que são os games e que valores eles expressam.


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