São Paulo, quarta-feira, 14 de agosto de 2002

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EUROPA

Autoridades calculam que a inundação dos últimos dias possa vir a ser a maior dos 800 anos de história da cidade tcheca

Enchente atinge centro histórico de Praga

Associated Press
Rio Vlatva transborda e alaga vários bairros de Praga (República Tcheca)


JUSTIN HUGGLER
DO ""THE INDEPENDENT", EM PRAGA

Redemoinhos de água barrenta davam voltas em torno da ponte Carlos. Enquanto observávamos, uma cama inteira passou por nós, carregada em alta velocidade pela água no centro de Praga. Depois dela, uma geladeira, pacotes de ração para cães, barris de chope e as paredes de uma casa, tudo carregado pelas águas da enchente.
Os destroços passavam velozes sob os arcos da ponte, e faltavam apenas dois metros para a água alcançá-la. Era difícil acreditar que essa grande expansão de água em fúria fosse o mesmo rio Vltava que normalmente corre, plácido, pelo centro da cidade. Do outro lado do rio, tudo o que conseguíamos ver da ilha Kampa, que abriga uma das mais lindas praças de Praga, eram os telhados das casas e as copas das árvores da praça, com água escura entre elas.
Atrás deles, a água estava rompendo por entre as muralhas de sacos de areia e lâminas de aço que voluntários tinham passado a noite inteira para erguer. Ela tomava as ruas tortuosas do bairro de Mala Strana, onde soldados e voluntários trabalhavam em ritmo desesperado, erguendo barricadas para tentar impedir danos sérios aos palácios e jardins barrocos.
Em meio às estátuas da ponte Carlos, operários usavam guindastes para desalojar destroços presos debaixo da ponte, que já sobreviveu a seis séculos e meio de guerras e Exércitos invasores, incluindo a ocupação nazista e a invasão soviética de 1968.
Sirenes tocavam por toda parte, convocando os moradores da cidade a deixá-la, mas as duas margens do rio estavam repletas de pessoas que observavam a ascensão das águas.
Vimos as letras da palavra "cassino", pintada sobre um edifício situado do outro lado do rio, desaparecerem diante de nossos olhos, sob as águas em elevação, em questão de poucos minutos. E as autoridades dizem que o pior ainda está por vir.
Na Biblioteca Nacional, funcionários carregavam livros e documentos de valor para os andares superiores, em ritmo acelerado. No zoológico de Praga, situado à beira do rio, um elefante indiano estava com água pelos ouvidos e corria o risco de morrer afogado. Um gorila tinha desaparecido, e os funcionários estavam correndo para transferir 400 animais para locais secos numa parte mais alta do zoológico.
Ontem à noite o nível da água já era o mais alto dos últimos 50 anos. Especialistas diziam que esta enchente pode ser pior do que as grandes enchentes de 1890 -pode até vir a ser a pior da história da cidade, fundada há 800 anos. Partes do centro histórico, que sobreviveu à 2ª Guerra Mundial enquanto outras cidades em toda a Europa foram reduzidas a escombros, pode estar em risco.
Praga pode estar diante do maior perigo desde que os tanques soviéticos invadiram suas ruas, em 1968. Ontem, aliás, tanques tchecos estavam nas ruas para ajudar nos trabalhos de emergência, e, com as sirenes tocando, era como se a cidade estivesse se preparando para uma guerra.
Os carros policiais e de bombeiro que percorriam as ruas em alta velocidade, com as sirenes ligadas, e as lojas e os restaurantes fechados e protegidos por sacos de areia -até mesmo as frestas das portas tinham sido seladas com espuma- formavam uma cena que, em alguns momentos, lembrava um filme de desastre de Hollywood.

Turismo na chuva
Fato quase inacreditável: guias turísticos continuavam a conduzir grupos de turistas pela cidade, com seus guarda-chuvas abertos, enquanto as águas subiam. Os muros da Cidade Velha estão recobertos de mapas indicando as áreas que provavelmente serão as próximas a serem inundadas e exortando as pessoas a sair.
Na pensão U Lilie, na Cidade Velha, o garçom Michal Zadek disse que posicionou sacos de areia em volta da entrada, pronto para enfrentar a água, mas, quando perguntamos se ia deixar o local, deu de ombros. "Ainda temos hóspedes no hotel, então temos de ficar aqui para cuidar deles", respondeu.
A disposição dos moradores da região é a mesma. No bar Duende, dentro da zona da enchente, encontramos uma multidão de frequentadores ainda bebendo e fazendo piadas, determinados a ficar até a enchente passar.
No O'Che's, um pub situado na mesma rua e frequentado por estrangeiros radicados em Praga, tchecos e estrangeiros tomavam cerveja juntos à luz de velas. A eletricidade foi cortada na Cidade Velha, como precaução.
Mas a Cidade Velha ainda é uma área de risco relativamente baixo. Quando as águas romperam as defesas em Mala Strana, muito mais vulnerável, as autoridades disseram que as pessoas finalmente começaram a deixar a área, após passarem a noite lá.
Ninguém sabe até que nível as águas podem subir nem quantos danos podem causar. Em outras partes da Europa, enchentes cobriram a cidade histórica de Dresden e ameaçam Salzburgo.
Há cinco anos, mais ou menos, enchentes no leste da República Tcheca provocaram o desabamento de vários edifícios. Na noite de ontem foi dito que a enchente em Praga estava se agravando e que as águas em torno da ponte Carlos continuavam a subir.

Tradução de Clara Allain


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