São Paulo, sábado, 14 de agosto de 2004

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ELEIÇÃO NOS EUA

Crescimento do gasto do governo e restrição de liberdades desagradam tradicional base republicana

Direita também se preocupa com Bush

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Mesmo a direita americana, tradicional base do Partido Republicano, vem-se mostrando preocupada com medidas tomadas e defendidas pelo presidente George W. Bush, de acordo com especialistas consultados pela Folha.
Os dois pontos que mais inquietam a direita são o déficit orçamentário projetado para 2004, de US$ 521 bilhões -valor superior ao PIB brasileiro de 2003-, e as restrições às liberdades civis impostas desde o 11 de Setembro.
"Parte do déficit é explicável, pois o 11 de Setembro provocou uma queda na arrecadação do governo. Ademais, seus gastos subiram por causa do conflito no Afeganistão, da guerra ao terrorismo e da invasão do Iraque", afirmou Gary Bauer, presidente do "think tank" conservador American Values (valores americanos) e uma das figuras mais influentes da cena política dos EUA.
"É muito mais grave, contudo, o fato de as despesas em setores não ligados ao Departamento da Defesa ou ao da Segurança Interna também terem sofrido uma elevação significativa. Isso causa forte apreensão em muitos economistas conservadores. Creio que, se reeleito, o presidente venha a fazer o possível para controlar o crescimento do Orçamento."
Ana Isabel Eiras, analista sênior de economia da Fundação Heritage, reputado centro de pesquisa conservador, concorda com Bauer. Para ela, o maior problema do atual governo é "conseguir conter os gastos públicos".

Retórica ortodoxa
"[Bill] Clinton obteve um superávit orçamentário de cerca de US$ 230 bilhões em 2000. O governo Bush projeta um déficit de mais de US$ 500 bilhões para este ano. Houve uma enorme elevação no gasto público. Mais problemático é o fato de, desde 2001, os gastos com a defesa e com a resposta ao 11 de Setembro corresponderem só a 45% do aumento de despesas", argumenta Eiras.
"Nos últimos três anos, os gastos com o seguro-desemprego cresceram 132% e atingiram US$ 56 bilhões. Os com a educação tiveram aumento de 78% e são de cerca de US$ 58 bilhões. Os programas de saúde ficaram 81% mais caros, atingindo US$ 60 bilhões. E os subsídios agrícolas tiveram elevação de 76%, chegando a US$ 23 bilhões. É irônico que um governo republicano apresente esses resultados."
Na retórica, os republicanos são conhecidos por defender menor participação do Estado na economia. Já os democratas declaram-se a favor de que o governo atue para diminuir os efeitos adversos do mercado sobre o cidadãos.

Liberdade restrita
Trent England, analista de política legal da Fundação Heritage, salientou ainda que, quase três anos após o 11 de Setembro, as restrições às liberdades civis se tornaram impopulares até dentro do Partido Republicano.
"Os republicanos querem defender o país e protegê-lo de novos ataques terroristas. Mas as inúmeras restrições a direitos individuais introduzidas após os atentados de 2001 começam a gerar mal-estar até entre aliados de Bush. Com o tempo, esse quadro terá de ser alterado, mas a proteção do território não poderá ser negligenciada", analisou England.
No terreno dos "valores", o governo Bush também não vem agradando totalmente à direita, embora ele seja bastante conservador para padrões europeus.
"Alguns grupos religiosos conservadores crêem que Bush poderia ter sido mais ativo no debate sobre a definição do casamento. Nos próximos meses, veremos o presidente mais eloqüente a respeito das questões do casamento e dos homossexuais. Afinal, ele sabe que não pode correr o risco de afastar-se de sua base tradicional. Sua reeleição depende desses votos", avaliou Bauer.
Com a questão iraquiana minando sua popularidade e com a candidatura do democrata John Kerry ganhando força, Bush terá de afagar seu eleitorado conservador. Todavia terá de tomar cuidado para não fustigar o de centro, que foi decisivo no pleito de 2000.


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