São Paulo, domingo, 14 de agosto de 2005

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Brasil propicia inovação, diz estudioso

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Para o alemão Frank Usarski, doutor em ciência da religião pela Universidade de Hannover e professor do departamento de Teologia e Ciências da Religião da PUC-SP, o surgimento constante de novas religiões sempre existiu, mas está se tornando mais visível. "A única coisa que mudou nas últimas décadas é o processo de globalização, que agora nos confronta com grupos religiosos de muitas partes do mundo", diz.
Usarski diz que o Brasil, em que a liberdade religiosa está garantida até na Constituição, é um país bastante propício para o surgimento de novas religiões: "A pessoa pode abrir uma igreja pentecostal em qualquer lugar, sem ter formação teológica. Isso contribui para uma certa criatividade".
Entre as religiões surgidas no Brasil que apresentam doutrinas singulares, diferentes das da maioria dos grupos derivados do cristianismo, ele aponta a Igreja do Santo Daime, "um fenômeno nacional, que já foi exportado para outros países". E, dentro do Santo Daime, destaca a linha umbandaime, que, como o nome sugere, promove uma fusão com elementos da religião africana.
"Esse ecletismo é característica marcante da prática do Santo Daime", afirma Gê Marques, 48, comandante da Igreja Reino do Sol, de Parelheiros (zona sul), vinculada à tradição do Santo Daime. "O Santo Daime se define como espírita e bebe um pouco das tradições de pajelança, com aspectos do cristianismo primitivo."
Há cerca de dois anos e meio a Reino do Sol começou a realizar os rituais de umbandaime. No início com apenas 20 participantes, as "giras" já atraem cerca de 150 pessoas.
"No Santo Daime, o ponto central da prática ritual é a consagração de uma bebida, que chamamos de daime [também conhecida como ayahuasca, que tem poderes alucinógenos]. A ingestão dessa bebida tem como objetivo te colocar em contato com esse universo sutil onde nossos guias espirituais se apresentam e vivemos os insights que indicam os tópicos de nossa alma que precisam ser trabalhados", diz Marques. "Num desses insights, descobri minha ligação com a umbanda, quando tive uma manifestação mediúnica. A partir daí, foram anos de manifestações, no início um pouco caóticas, e de estudos para a compreensão do acontecimento."
Marques conta que então decidiu criar dentro da Reino do Sol um espaço para as outras pessoas que também passassem por essas experiências. "Às vezes as pessoas incorporam em momentos inadequados. A pessoa não consegue não incorporar. Ela precisa chegar num nível em que controle o seu aparelho [corpo]."
Nas giras, os praticantes fazem a consagração (ingestão) do daime e, vestindo roupas brancas, como na umbanda, cantam e fazem orações, com o acompanhamento de atabaques. Em seguida, "abrem a banca" (quando começam as incorporações).
"A bebida proporciona uma sensibilidade diferente daquela de quem trabalha na umbanda. O grau de sensibilização é muito maior. A bebida traz junto as "mirações", que são as imagens que esclarecem parte do que está acontecendo naquele instante.".
Por enquanto, a umbandaime não chega a ser uma nova religião. Mas o próprio Marques reconhece que ela pode tornar-se independente no futuro. "Funciona como uma linha auxiliar, subordinada ao Santo Daime. Mas é impossível prever a forma como se desenvolverá", afirma. (VP)

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