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Em obras, capital afegã espera eleição
País elege presidente na semana que vem; Cabul é contraste entre retomada da vida normal e ameaça permanente do Taleban
Trânsito pesado e corrida por casamentos camuflam realidade de cidade ainda militarizada oito anos após queda de regime islâmico
IgorGielow/Folha Imagem
![](../images/e1408200901.jpg) |
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Rua de Cabul em obras; ‘Passaram anos sem mexer em nada,
agora que tem eleição fazem essa bagunça’, diz funcionário público
IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A CABUL
Oito anos depois da derrubada do Taleban e a sete dias da
segunda eleição presidencial
na história do Afeganistão, Cabul é uma cidade muito pior em
vários aspectos, mas são inegáveis os avanços visíveis da sociedade da capital de um país
sob regime de guerra.
Quando a Folha entrou em
Cabul em novembro de 2001,
os membros do Taleban estavam fugindo para o sul do Afeganistão, e havia calma relativa.
Agora, estão novamente ameaçando atacar a capital e os principais centros urbanos do país
caso haja alto comparecimento
às urnas no próximo dia 20.
Apesar desse aparente retrocesso, Cabul está mudada.
A começar pelo trânsito. A
cidade está coalhada de obras
que o governo do presidente
Hamid Karzai iniciou há cerca
de um mês. "Passaram anos
sem mexer em nada. Agora que
tem eleição, fazem essa bagunça", diz o funcionário público
Mohammad Asif, 25.
Por obras entenda-se uma
série de ruas completamente
quebradas e esburacadas para
serem recapeadas. O trânsito
virou um caos de deixar o rush
de São Paulo parecendo idílico.
No imediato pós-Taleban,
policiais com luvas brancas
controlavam rotatórias dentro
de cabines. Agora, eles se misturam ao tráfego intenso de
carros, gente, animais, tentando dar ordens no grito e com
varas de madeira. Sem luvas.
A confusão quase faz o visitante esquecer que ele está numa capital sitiada de um país
em guerra. Aqui e ali, há veículos blindados fazendo barreiras. Homens armados, como
antes, são a tônica nessa capital
da Kalashnikov -de tão comuns, os rifles de assalto russos são vetados em placas específicas à entrada de prédios.
Mas o grosso dessa presença
militar é do Exército Nacional
Afegão e seus uniformes camuflados novos em folha, em contraste com a polícia local -homens em roupas puídas, instalados em ruínas de lojas destruídas em algumas das guerras dos últimos 30 anos no país.
Os invasores são mais discretos. Ao chegar ao aeroporto de
Cabul, civil, o visitante vê uma
meia dúzia de helicópteros de
ataque Apache ao lado da pista.
Mas os americanos não são
tão visíveis. Eles ficam na grande instalação militar ao lado do
aeroporto. "Só fazem patrulha
de vez em quando e nunca a pé.
Saíram dos bloqueios de dentro da cidade, para não serem
hostilizados", disse Asif.
Em alguns pontos, é possível
ver a presença dos 40 países
que participam da Isaf, a força
de segurança internacional que
dá verniz de coalizão à guerra
americana. Dois blindados turcos cuidavam da saída do aeroporto, onde militares suecos
discutiam algo ontem cedo
com mercenários de aparência
sul-africana branca que fazem
a segurança interna.
Os ocidentais não se misturam aos locais nos restaurantes
ou nos cerca de cem "wedding
halls", salões de baile em que
um casamento de duas horas
sai por US$ 200 e o fechamento do prédio por toda a noite,
por inacreditáveis US$ 6.000
-seis vezes a renda per capita
média do país.
Em uma caminhada de uma
hora e meia seguida de duas
horas de rodagem de táxi, a reportagem não viu nenhum ocidental andando a pé.
"Não tem jeito. Nosso seguro
não cobre se morrermos na
rua. Mas concordo que é meio
exagerado", explicou um dos
passageiros do voo da ONU que
trouxe a Folha até Cabul, um
diplomata americano chamado
John. "Eu moro trancado e
agora nas eleições é que não
vou para a rua."
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