São Paulo, sexta-feira, 14 de agosto de 2009

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Em obras, capital afegã espera eleição

País elege presidente na semana que vem; Cabul é contraste entre retomada da vida normal e ameaça permanente do Taleban

Trânsito pesado e corrida por casamentos camuflam realidade de cidade ainda militarizada oito anos após queda de regime islâmico

IgorGielow/Folha Imagem
Rua de Cabul em obras; ‘Passaram anos sem mexer em nada,
agora que tem eleição fazem essa bagunça’, diz funcionário público


IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A CABUL

Oito anos depois da derrubada do Taleban e a sete dias da segunda eleição presidencial na história do Afeganistão, Cabul é uma cidade muito pior em vários aspectos, mas são inegáveis os avanços visíveis da sociedade da capital de um país sob regime de guerra.
Quando a Folha entrou em Cabul em novembro de 2001, os membros do Taleban estavam fugindo para o sul do Afeganistão, e havia calma relativa. Agora, estão novamente ameaçando atacar a capital e os principais centros urbanos do país caso haja alto comparecimento às urnas no próximo dia 20.
Apesar desse aparente retrocesso, Cabul está mudada.
A começar pelo trânsito. A cidade está coalhada de obras que o governo do presidente Hamid Karzai iniciou há cerca de um mês. "Passaram anos sem mexer em nada. Agora que tem eleição, fazem essa bagunça", diz o funcionário público Mohammad Asif, 25.
Por obras entenda-se uma série de ruas completamente quebradas e esburacadas para serem recapeadas. O trânsito virou um caos de deixar o rush de São Paulo parecendo idílico.
No imediato pós-Taleban, policiais com luvas brancas controlavam rotatórias dentro de cabines. Agora, eles se misturam ao tráfego intenso de carros, gente, animais, tentando dar ordens no grito e com varas de madeira. Sem luvas.
A confusão quase faz o visitante esquecer que ele está numa capital sitiada de um país em guerra. Aqui e ali, há veículos blindados fazendo barreiras. Homens armados, como antes, são a tônica nessa capital da Kalashnikov -de tão comuns, os rifles de assalto russos são vetados em placas específicas à entrada de prédios.
Mas o grosso dessa presença militar é do Exército Nacional Afegão e seus uniformes camuflados novos em folha, em contraste com a polícia local -homens em roupas puídas, instalados em ruínas de lojas destruídas em algumas das guerras dos últimos 30 anos no país.
Os invasores são mais discretos. Ao chegar ao aeroporto de Cabul, civil, o visitante vê uma meia dúzia de helicópteros de ataque Apache ao lado da pista.
Mas os americanos não são tão visíveis. Eles ficam na grande instalação militar ao lado do aeroporto. "Só fazem patrulha de vez em quando e nunca a pé. Saíram dos bloqueios de dentro da cidade, para não serem hostilizados", disse Asif.
Em alguns pontos, é possível ver a presença dos 40 países que participam da Isaf, a força de segurança internacional que dá verniz de coalizão à guerra americana. Dois blindados turcos cuidavam da saída do aeroporto, onde militares suecos discutiam algo ontem cedo com mercenários de aparência sul-africana branca que fazem a segurança interna.
Os ocidentais não se misturam aos locais nos restaurantes ou nos cerca de cem "wedding halls", salões de baile em que um casamento de duas horas sai por US$ 200 e o fechamento do prédio por toda a noite, por inacreditáveis US$ 6.000 -seis vezes a renda per capita média do país.
Em uma caminhada de uma hora e meia seguida de duas horas de rodagem de táxi, a reportagem não viu nenhum ocidental andando a pé.
"Não tem jeito. Nosso seguro não cobre se morrermos na rua. Mas concordo que é meio exagerado", explicou um dos passageiros do voo da ONU que trouxe a Folha até Cabul, um diplomata americano chamado John. "Eu moro trancado e agora nas eleições é que não vou para a rua."


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