São Paulo, domingo, 14 de agosto de 2011

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Britânicos procuram explicações à violência

Para esquerda e direita a sociedade pode ter perdido os valores morais

Habitantes de bairro onde o caos começou se dizem revoltados; alguns jovens, porém, não condenam saques

VAGUINALDO MARINHEIRO
DE LONDRES

Por que uma sociedade como a inglesa, com baixa criminalidade (Londres teve em um ano 130 homicídios, enquanto São Paulo tem cerca de 90 por mês) e desigualdade muito menor que a brasileira se transforma numa praça de guerra, com grupos de jovens saqueando lojas e incendiando casas e carros?
Moradores de Tottenham, bairro no norte de Londres onde tudo começou, continuavam a fazer perguntas anteontem, uma semana depois.
Foi lá que um protesto pacífico pela morte de Mark Duggan, 29, morto pela polícia, se converteu num confronto.
Jovens com capuz ou lenço nos rostos atiraram paus, pedras e latas de lixo nos policiais. Depois, saquearam lojas e incendiaram prédios.
Nos três dias seguintes, a violência se espalhou por Londres e outras cidades, como Liverpool, Manchester, Bristol e Nottingham. Tottenham é um bairro pobre, mas está muito longe de favelas brasileiras.
Não há luxo, mas casas e prédios são conservados, com o típico tijolinho inglês.
Na rua principal, há lojas, lanchonetes, supermercados e salões de beleza. Há parquinhos para as crianças e centros esportivos para a comunidade. Há aulas de "capoeira brasileira" em um deles.
A diversidade de Londres está representada: há negros, muçulmanos, indianos, brancos do Leste Europeu.

REVOLTA
As ruas estão com pouco movimento. Muitas lojas foram saqueadas e continuam fechadas, e o trabalho de demolição dos prédios incendiados interrompe o tráfico.
A população está revoltada. "Trará mais desgraças ao bairro. Seremos sempre lembrados como o local onde começou o conflito. As lojas destruídas não vão reabrir", afirma Lara Akinsanya, 46.
Ela tem dois filhos adolescentes e diz ter certeza de que não participaram da arruaça.
Quase não se via jovens nas ruas, talvez intimidados pela forte presença policial.
A Folha conversou com três no McDonald's. Não quiseram dar os nomes. Disseram ter participado apenas do ato pacífico. Mas não condenam a violência.
"A pressão é grande. Parece que nada é para a gente. Em 2012 tem Olimpíada, só que ninguém daqui irá. Ninguém tem dinheiro para isso. É como se a gente não vivesse neste país", afirmou um deles, que disse ter 17 anos.
Os três estavam com calça e agasalho esportivo, uniforme dessa geração, principalmente na periferia.
Nenhum vestia o capuz, que antes funcionava como afirmação e forma de intimidar. Agora, é um indicativo de jovem violento, uma imagem indesejável num momento em que a polícia faz prisões a granel.
Uma semana após iniciada a violência e sem grandes conflitos desde terça-feira, as pessoas deixaram apenas de condenar os atos e passaram a buscar suas causas.
Da esquerda à direita, há quase um consenso de que parte da sociedade perdeu os princípios morais.
Entre os mais de 1.600 presos, muitos foram para as ruas dispostos mesmo a roubar. Destruíram lojas de celulares, de grifes, de eletrônicos. Outros se aproveitaram, no tumulto, para pegar de graça o que fosse possível.
Clifford Scott, professor de psicologia da Universidade de Liverpool, afirma que, se o problema for visto apenas como criminalidade, não como um fenômeno social, não haverá como resolvê-lo.
Chris Sims, chefe da polícia de Birmingham, uma das cidades mais atingidas, vê de modo mais simples. "Não era uma multidão raivosa, era uma multidão gananciosa."


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