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São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2003

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ORIENTE MÉDIO

Para analista, intenção de Israel de "remover" o líder palestino o ajuda a recuperar o prestígio perdido

Ameaça israelense "ressuscita" Arafat

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Um grupo de intelectuais e empresários palestinos chegou a contatar Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul, para que ele convencesse Iasser Arafat a seguir seu exemplo: deixar o poder antes do empalidecimento definitivo do prestígio político .
A iniciativa, revelada à Folha por Riad Malki, diretor do Centro Palestino para a Disseminação da Democracia e do Desenvolvimento Comunitário, foi congelada a partir da última quinta-feira, com o novo fôlego interno que Arafat ganhou após a decisão do governo israelense de "removê-lo".
Foi um dos efeitos perversos da demonstração de força do premiê Ariel Sharon, segundo um de seus maiores e insuspeitos críticos. Henry Siegman, por 16 anos presidente do Comitê Judaico Americano, é diretor de pesquisas sobre Oriente Médio do Council of Foreign Relations (EUA). Uma de suas afirmações à Folha:
"Livrar-se de Arafat não remove nenhum dos impasses da região, como o terrorismo, os assentamentos judaicos, Jerusalém e as condições de criação de um Estado palestino". Caso Israel o expulse ou o elimine, "haverá entre os palestinos uma profunda reação de hostilidade a Israel, já que estará sendo atingido o seu símbolo nacional personificado".
Arafat está longe de atravessar seu período de maior prestígio. Em parte porque uma parcela de palestinos tem uma idéia plural de sociedade civil e de Estado, que não combina com a visão centralizada e construída na idéia de eficiência necessária para a reconquista da pátria.
Ou ainda porque fracassou o projeto de criação de um Estado, esboçado há dez anos nos Acordos de Oslo. Não só por culpa de Israel e dos assentamentos judaicos em terras árabes (contra os quais 89% dos palestinos hoje aprovam atos terroristas), mas também porque a lógica da paz contradiz pelo menos 13 dos grupos políticos, religiosos ou milicianos confederados sob Arafat.
Um dos cenários modernizantes prevê a criação de partidos (social-democrata, liberal, verde) capazes de dialogar com grupos que atuam fora do mundo árabe. E evitar que o Estado palestino fique sujeito ao mesmo equilíbrio interno de forças da OLP, da qual Arafat foi, a partir de 1969, o terceiro presidente.

Operação complicada
Nobel da Paz em 1994, ao lado dos israelenses Yitzak Rabin e Shimon Peres, Arafat não suprimiu o terrorismo ou neutralizou seus adversários do Hamas ou do Jihad Islâmico. Como também não conteve os terroristas do Fatah Tanzim, que lhe são organicamente mais próximos.
Tornar-se o mínimo denominador entre forças tão díspares é sempre uma operação complicada. Arafat tende à ambiguidade.
Estudo acadêmico liberado anteontem pelo Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, baseado em Washington, considera autêntico um ofício endereçado em 2002 ao general palestino Fouad Shoubaki, no qual as Brigadas dos Mártires de Al Aqsa pedem o reembolso de despesas feitas para cometer um atentado.
Arafat está fisicamente isolado desde dezembro de 2001 em Ramallah. Já atravessou outros períodos difíceis. Sua cabeça esteve a prêmio na Jordânia, em 1969, quando o rei Hussein, com o Setembro Negro, eliminou as lideranças palestinas que haviam constituído um poder paralelo.
Em 1982 ele quase foi morto em Beirute, quando os israelenses ocuparam o sul do Líbano e cercaram a capital. Exilou-se na Tunísia. Deixou a diáspora em 1994, quando se fixou em Gaza.
Oslo poderia ter permitido que ele deixasse de ser soldado e se transformasse em estadista, conforme raciocínio comum na época. Seu prestígio era maior ainda que em 1974, quando, convidado por embaixadores árabes e não-alinhados, discursou na ONU e pela primeira vez mencionou a possibilidade de paz.
"Os Sete Fôlegos de Arafat" é uma tradução possível ao título que dois franceses, Christophe Boltanski e Jihan El Tahri, deram a uma de suas biografias, publicada em 1997. Nela descrevem a impossibilidade dessa espécie de versão árabe do bonapartismo, reinando acima das facções e obtendo legitimidade de todas elas.
O livro, em meio a dezenas de outros, hagiográficos ou detratores, revela mitos que Mohammed Abdel Rahman Al Qudwa Al Husseini (nome original do líder palestino) fabricou sobre si mesmo. Um exemplo: ele não nasceu em Jerusalém. Nasceu no Cairo (agosto de 1929), onde se formou em engenharia, antes de se instalar como empresário no Kuait e se tornar, nos anos 60, um militante profissional.



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