São Paulo, sábado, 14 de outubro de 2000

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Acesso a mesquitas é restringido

DO ENVIADO ESPECIAL

"Como não posso entrar? Eu vou rezar", argumenta o palestino Mahmud, 19, diante da barreira israelense a 30 metros da entrada da Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém. Pouco depois, inconformado, ele ora diante de soldados e policiais na rua.
"Eles prometem liberdade de acesso aos locais sagrados de todas as religiões, mas a minha não faz parte dessa categoria", diz.
A situação estava tensa na cidade sagrada, como poderia se esperar numa sexta-feira, dia sensível devido a sua importância para muçulmanos e judeus.
Um dia após os ataques de Israel a cidades palestinas em Gaza e na Cisjordânia, em seguida ao linchamento de soldados israelenses em Ramallah, havia um intenso movimento de militares, em jipes, cavalos ou a pé. Por toda a cidade, viam-se também carros da ONU.
Mahmud não foi o único a se prostrar fora da mesquita. Em diferentes pontos de Jerusalém Oriental, centenas de muçulmanos participaram do alinhamento tradicional e do movimento sincronizado que sucede ao apelo à oração pelo "muezim" -aquele que convoca as pessoas a rezar.
Muitos deles rezaram diante de soldados e policiais israelenses, como uma forma de desafiar a proibição de ir às mesquitas de Al Aqsa e do Domo da Rocha.
"Isso mostra que a oração não será deixada de lado por causa de proibições sem sentido. A convivência religiosa é possível, sem dúvida, mas as forças israelenses não estão permitindo isso", afirmou Faissal al Husseini, principal líder palestino em Jerusalém.
Israel já havia proibido, "por prazo indeterminado", a visita de não-muçulmanos ao palco da eclosão dos confrontos com os palestinos, iniciados após a visita do líder oposicionista Ariel Sharon ao local, em 28 de setembro.
Ontem, barrou também a entrada a muçulmanos, por "razões de segurança". Acredita-se que o governo temia que os discursos proferidos após a oração islâmica inflamassem os ânimos e levassem a novos confrontos.
Uma sexta-feira normal pode reunir 100 mil muçulmanos nessa área disputada de Jerusalém. Em ocasiões especiais, esse número já chegou a 500 mil. Ontem, apenas cerca de 3.500 pessoas, especialmente idosos, receberam permissão para orar no local.
A cidade da paz (forma como Jerusalém é conhecida em hebraico, "Ierushalaim", e em árabe, "Al Quds Madinatu Salam"), ponto de referência fundamental para as três grandes religiões monoteístas, testemunhou diversos enfrentamentos ontem.
Várias pessoas que tentavam avançar em direção às mesquitas ficaram feridas. Os mais jovens não aceitaram o veto a sua entrada e levaram golpes de cassetete.
Em algumas ocasiões, pessoas lançaram pedras contra os soldados, e os choques se intensificaram. A violência se concentrou na região próxima ao portão de Damasco, em Jerusalém Oriental, onde se viam carros queimados.
Perto dali, no Café do Portão, três turistas tomavam suco de romã enquanto soldados israelenses pediam, em hebraico, refrigerantes ao dono da lanchonete, que respondia em árabe e inglês.
O "Dia da Ira", convocado por palestinos para protestar contra Israel, também resultou em confrontos em cidades da Cisjordânia e de Gaza, com ao menos 50 feridos. A Cidade Velha de Jerusalém estava praticamente vazia.
"Não me lembro de ter visto essa área tão vazia nos últimos anos", afirmou o palestino Issa, que trabalha como guia explicando a trajetória de Jesus Cristo na cidade sagrada.
Não havia quase ninguém nas principais igrejas de Jerusalém Oriental, incluindo a do Santo Sepulcro, onde, para os cristãos, Jesus foi crucificado e sepultado temporariamente.
No Muro das Lamentações, local mais sagrado para o judaísmo, o movimento era inferior ao que se verifica durante o shabat (dia sagrado judaico).
Israel considera Jerusalém sua "capital eterna e indivisível", mas é visível a diferença entre a parte judaica e a árabe, onde o lixo demora para ser recolhido, buracos nas ruas são comuns e reformas de casas palestinas precisam de autorização especial.
Os palestinos reivindicam a porção oriental de Jerusalém como sua capital num futuro Estado independente. Israel tomou essa área em 1967 e depois a anexou -sem reconhecimento internacional- ao seu território.
A disputa em torno da cidade tem sido um dos principais empecilhos para um acordo de paz israelo-palestino. (PDF)



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