São Paulo, segunda-feira, 14 de outubro de 2002

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COMENTÁRIO

Aliados dos EUA são novos alvos na terrificante nova era

ROBERT FISK
DO "THE INDEPENDENT"

Por quais razões?
O crime contra a humanidade, cometido no sábado na ilha indonésia de Bali, provocou uma reação quase idêntica à das atrocidades de 11 de setembro de 2001.
Todos desejavam saber quem detonou as bombas -quase certamente alguma organização satélite da Al Qaeda- e como os assassinos planejaram o massacre. Mas ninguém, nem o primeiro-ministro John Howard, da Austrália, nem Tony Blair, do Reino Unido, nem o ministro britânico do Exterior, Jack Straw, desejam abordar a motivação do ataque.
A palavra terrorismo, aliás no caso bastante precisa, foi usada para amortecer toda discussão em torno do que poderia estar por detrás do crime.
Os australianos formam o maior número de vitimas, e seus assassinos sabiam que assim o seria. Por que, então, os australianos entraram na mira? E quais serão os próximos?
John Howard está entre os mais ardorosos apoiadores do presidente George W. Bush. Seu governo se alinhou à "guerra contra o terror" nas 24 horas que se seguiram aos atentados do ano passado de Nova York e Washington. Mais que um apoio verbal, a Austrália participou das operações militares que os Estados Unidos comandaram nas montanhas do Afeganistão contra as bases da Al Qaeda. É provável que a atrocidade de sábado tenha sido uma resposta do grupo extremista islâmico.
Os franceses já pagaram um preço por seu apoio inicial a Bush. A morte de 11 técnicos franceses especializados em submarinos, em Karachi, foi seguida pelo ataque suicida a um petroleiro francês no Iêmen.
O grupo que colocou as três bombas em Bali é um dos movimentos "islâmicos" da periferia da Al Qaeda, e o alvo escolhido foi familiar: um clube noturno, local associado pelos puristas islâmicos com sexo, álcool e imoralidade, e que são também escolhidos por terroristas suicidas palestinos em Israel.
Se milhões de muçulmanos estão revoltados com o massacre de Bali, poucos aprovariam clubes noturnos ou discotecas. A simplificação moral é previsível: o atentado é sempre odioso, mas as vítimas quem sabe o mereciam. É ao menos a reação que os terroristas esperavam.
O território australiano teria sido um alvo menos cômodo para a Al Qaeda. Mas uma ilha situada literalmente num mar de muçulmanos era bem mais vulnerável.
As vítimas eram em grande parte jovens civis, homens e mulheres verdadeiramente inocentes, tão inocentes quanto os milhares que morreram no World Trade Center.
Civis não têm trégua nesse processo, sejam corretores em Nova York, famílias afegãs ou casais australianos em lua-de-mel.
Mesmo as estimativas conservadoras concordariam que os atentados de sábado elevaram o número de vítimas inocentes desde o 11 de setembro acima da marca dos 6.000.
Quais serão agora os próximos? Seria a vez dos ingleses? Eles estão espalhados pelo mundo, nas embaixadas e nas empresas, como tripulantes de aviões e como homens de negócio. O apoio inequívoco de Londres aos EUA faz do Reino Unido o candidato mais verossímil a uma agressão.
Há em seguida os países pequenos e mais vulneráveis, que forneceram um auxílio discreto aos militares norte-americanos, como a Bélgica, que abriga a sede da Otan, o Canadá, cujas tropas especiais combateram no Afeganistão, a Irlanda, que permite a aeronaves norte-americanas o reabastecimento na base aérea de Shannon.
Bali apenas enfatiza aquilo que os acontecimentos do ano passado deveriam nos ter ensinado: a inocência individual não mais nos protege, já que ingressamos, saibamos disso ou não, numa terrificante nova era.



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