São Paulo, quinta-feira, 14 de dezembro de 2000

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BUSH LEVA
Processo eleitoral expõe a grande divisão do país

Principais projetos do novo presidente estão ameaçados

Decisão confusa da Justiça garante vitória



DE WASHINGTON

O governador do Texas, George W. Bush, garantiu a vitória nas eleições presidenciais norte-americanas depois que a Suprema Corte do país, anteontem à noite, numa decisão tão histórica quanto confusa, inviabilizou a recontagem manual de votos na Flórida e pôs fim às chances do vice-presidente Al Gore, candidato democrata, chegar à Casa Branca.
Diante da decisão da Suprema Corte, Gore decidiu reconhecer a derrota ontem, 36 dias depois de os norte-americanos terem ido às urnas nas eleições mais disputadas e conflituosas deste século.
Gore planejava discursar à nação na noite de ontem, para explicar por que insistiu na recontagem de votos e pedir que os norte-americanos aceitem Bush como o presidente eleito. Bush faria pronunciamento pouco depois.
As eleições de 2000 expuseram uma divisão marcante da população norte-americana e provocaram uma longa e desgastante batalha pós-eleitoral, que poderá macular os quatro anos de mandato de Bush e levantar sérias dúvidas sobre a legitimidade da vitória do republicano.
Pela primeira vez na história dos EUA, a definição de um presidente foi determinada pelo Judiciário do país. Dividido em 7 votos a 2, o Supremo federal anulou decisão da Suprema Corte da Flórida que havia determinado a recontagem de cerca de 44 mil votos não lidos pelas máquinas apuradoras, nos quais Gore depositava suas últimas esperanças para ganhar o pleito.
Três Estados tiveram resultados eleitorais com vantagens menores que 2.000 votos. O Senado, pela primeira vez, dividiu-se igualmente entre democratas e republicanos (50 cadeiras cada). O vice de Bush, Dick Cheney, terá o voto de minerva na Casa.
Por ter colocado um fim à disputa presidencial de uma maneira pouco clara, a Suprema Corte foi criticada tanto por democratas quanto por republicanos.
Nos votos dos juízes dissidentes, a corte reconheceu, com uma franqueza inédita, a fragilidade de sua própria decisão. "Apesar de que talvez nunca conheçamos com certeza absoluta a identidade do vencedor da eleição presidencial deste ano, a identidade do perdedor é perfeitamente clara. É a confiança da nação no juiz como guardião imparcial do império da lei", escreveu o juiz John Paul Stevens, que era favorável a uma recontagem de votos.
Ao anular a decisão da Suprema Corte da Flórida, a Suprema Corte norte-americana confirmou, de forma indireta, a vitória de Bush na Flórida, Estado governado pelo seu irmão Jeb Bush, por 537 votos de diferença sobre Gore, num universo de 6 milhões de eleitores.
Durante cinco semanas, a Flórida foi o fiel da balança da disputa presidencial. Bush e Gore dependiam dos votos de seus 25 delegados para obter a maioria mínima de 270 votos no Colégio Eleitoral, o órgão que escolhe de fato o próximo presidente, na segunda-feira. O Congresso ratifica o resultado em 6 de janeiro.
Com a vitória na Flórida, Bush garante 271 delegados, contra 267 de Gore. Bush toma posse em 20 de janeiro no mesmo cargo ocupado oito anos antes por seu pai, o ex-presidente George Bush. Ele sucederá a Bill Clinton, o democrata que derrotou seu pai nas eleições de 1992. A vontade de vingar o pai foi uma das maiores motivações de Bush na campanha.
Ele será o segundo filho de presidente a ocupar o mesmo posto do pai nos EUA. O primeiro foi John Quincy Adams, em 1825, eleito 25 anos depois que John Adams deixou a Presidência.
Após violentas disputas partidárias ao longo dos oito anos de governo Clinton, principalmente por causa do fracassado processo de impeachment, pesquisas apontavam desejo de grande maioria da população de que, no próximo governo, democratas e republicanos cooperassem mais, pelo bem do país.
Mas os ânimos parecem estar mais acirrados ainda após a dura batalha pós-eleitoral.
Há dúvidas sobre se Bush conseguirá aprovar seus maiores projetos para a Presidência -entre os quais um corte de impostos de US$ 1,3 trilhão em dez anos e a privatização parcial da Previdência Social e do sistema educacional.
A batalha pela Casa Branca também reduziu o período de transição, que deverá começar oficialmente nos próximos dias. Há cerca de duas semanas, a equipe de transição de Bush trabalha improvisadamente num escritório nos arredores de Washington.

Carreira curta
Para um homem com uma curta carreira na vida pública e que lançou-se na política com a ajuda dos amigos do pai, as circunstâncias nas quais se elege presidente não poderiam ser piores.
Brigas judiciais, cédulas mal desenhadas e máquinas de apuração incapazes de registrar adequadamente a intenção de voto de eleitores transformaram a sucessão de Clinton numa das maiores confusões da política dos EUA.

Gore
Gore consumiu o dia de ontem definindo, com assessores, o tom do discurso que faria à noite.
Entre suas opções estavam a de apenas retirar-se da disputa, sem reconhecer diretamente a vitória de Bush, ou pedir à nação que aceite o presidente eleito como o legítimo ocupante da Casa Branca. Analistas dizem que o discurso de Gore poderia ser o primeiro ato da campanha presidencial norte-americana de 2004.
Depois da primeira derrota eleitoral de sua carreira política, resta a Gore avaliar se a disputa pela Casa Branca o fortaleceu, colocando-o como uma opção democrata em 2004, ou o desgastou, sepultando de vez suas pretensões presidenciais.
Há fatos que justificam cada uma dessas duas hipóteses. "A carreira de Gore está forte ou fraca, dependendo da maneira como analisamos o resultado das eleições", afirmou Charles Jones, pesquisador do Instituto Brookings, em Washington, e professor de ciência política da Universidade de Wisconsin.
Gore sofreu críticas dentro de seu próprio partido por não ter assegurado, como candidato governista e vice-presidente nos últimos oito anos, uma vitória folgada num momento em que os EUA vivem sua maior expansão econômica.


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