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São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2003

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ÁSIA

Enquanto os americanos aprofundam sua guerra sem limites, Pequim exibe voracidade comercial e amplia influência entre vizinhos

EUA falam de terror e China faz negócios


O que o Sudeste Asiático vende a China compra, para ter pontes maiores, edifícios mais altos, trens mais velozes


JANE PERLEZ
DO "NEW YORK TIMES", EM JACARTA

Quando o Citibank estava procurando um nome conhecido para fazer uma palestra em seu retiro anual em Jacarta (Indonésia), o banco desprezou os investidores ocidentais que são os palestrantes de praxe. Em lugar disso, chamou o embaixador chinês, Lu Shumin, representante de uma nova geração de diplomatas vindos de Pequim que falam inglês impecável e jogam golfe como ninguém.
A palestra do embaixador foi feita em tom constantemente otimista: o que o Sudeste Asiático vende a China compra. Petróleo, gás natural e alumínio para construir pontes maiores, edifícios mais altos, trens mais velozes para interligar as cidades chinesas sempre crescentes, como Xangai, que começa a fazer Nova York parecer uma cidade pequena. Azeite de palmeira para fritar toda a comida para a classe média crescente, até mesmo ovos da distante Nova Zelândia, situada na periferia sul da região.
O frenesi de consumo e os mercados vorazes da China formam o alicerce, de acordo com Lu Shumin, da convivência pacífica que todos almejam.
O discurso do diplomata forma um contraste marcante com a mensagem pouco animadora dos Estados Unidos. Na breve parada que fez no país em outubro, o presidente George W. Bush cumprimentou os indonésios por ""caçar e localizar assassinos perigosos". A China, astuta, não tem perdido tempo falando da preocupação americana com a guerra contra o terror. E vem aproveitando o tempo ganho para ampliar em muito sua influência na Ásia.

Abertura diplomática
Os novos líderes que chegaram ao poder em Pequim em março passado -o presidente Hu Jintao e o primeiro-ministro Wen Jiabao- lideram a campanha, tanto assim que vêm viajando pessoalmente pela região, levando consigo investimentos consideráveis e abertura diplomática. De fato, alguns analistas de mentalidade futurista acham que é possível que a China já tenha se tornado a maior potência da Ásia.
"Depois do Afeganistão, depois do Iraque, depois de levar a democracia ao Oriente Médio, quando os EUA voltarem a prestar atenção à Ásia, encontrarão uma China muito diferente, numa região que também terá mudado muito", escreveu recentemente James J. Przystup, pesquisador da Universidade de Defesa Nacional, em Washington.
Além da economia e da diplomacia, algo mais se passa na região: a China ganhou a atração da novidade. Uma nova afinidade está se desenvolvendo entre o país antes temido e o restante da Ásia.
O advogado e escritor malasiano Karim Raslan, que viajou a Washington recentemente com uma bolsa de estudos Fulbright (programa patrocinado pelo Departamento de Estado dos EUA), formulou a questão em outros termos. Para ele, a "obsessão" americana com o terror é vista pelos asiáticos como enfado. "Todo o mundo precisa viver, precisa ganhar dinheiro", disse Raslan. "A China quer ganhar dinheiro, e nós também."
Assim, ao mesmo tempo em que os turistas americanos deixaram de visitar uma região que os avisos lançados pelo Departamento de Estado aos potenciais viajantes tornaram inóspita, os turistas chineses começaram a chegar.
Eles estão invadindo a Malásia (que possui, em sua população, uma parte grande de origem chinesa) e Cingapura (em que a maioria é de origem chinesa), onde podem conversar com os habitantes locais e não têm medo de sair à noite. Estão começando a adquirir produtos caros -relógios de diamantes com preços na casa dos cinco algarismos, roupas de grife- que antigamente eram privilégio dos turistas americanos e japoneses.

"Alimentar o dragão"
Essa nova afinidade é uma via de mão dupla. Os jornais de Cingapura estão repletos de matérias que oferecem conselhos a profissionais liberais de Cingapura -que enfrentam um mercado de trabalho inóspito em casa- sobre como se comportarem quando forem trabalhar na China (uma das dicas é "não assuma ares de superioridade em relação aos chineses").
Fato mais preocupante para os Estados Unidos é que a economia chinesa em alta tem muito a oferecer aos mais importantes aliados asiáticos dos americanos.
A volta por cima do Japão está sendo movida por um aumento nas exportações à China. A economia saudável da Austrália se mantém saudável em razão dos investimentos chineses em projetos de gás natural líquido. A China já é a maior parceira comercial da Coréia do Sul.
Nos países do Sudeste Asiático que têm populações muçulmanas significativas, justamente aqueles onde o foco americano sobre o terror é especialmente malvisto, a China embarcou numa orgia de importação.
Na Indonésia, na Malásia e nas Filipinas (e, em grau menor, também na Tailândia), a preocupação primeira de Washington é a presença de militantes islâmicos. O principal interesse da China é abocanhar o que pode para sua modernização. A esse novo relacionamento com Pequim, os indonésios deram o nome de "alimentando o dragão".
Ao mesmo tempo em que a Ásia se abre para essa China nova e confiante, os asiáticos dizem que não estão traindo os EUA. ""Não precisamos escolher [entre um lado ou outro]", diz um empresário de Cingapura.
Isso acontece porque as relações entre Washington e Pequim raramente estiveram melhores do que estão hoje. Para a administração Bush, a China saiu do isolamento diplomático.

Intimidade
Num discurso sobre a China proferido no mês passado, na Universidade Texas A&M, o secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, fez uma lista de todos os pontos positivos. A China declarou seu apoio à guerra contra o terror e votou juntamente com Washington nas Nações Unidas. Está exercendo papel importante na tentativa de encontrar solução para o problema da Coréia do Norte. Em tom de brincadeira, Powell descreveu sua relação com seu colega chinês, Li Zhaoxing, como sendo tão amistosa que uma das conversas que mantiveram ao telefone num sábado foi interrompida pelo latido dos cães de Powell, por uma batida na porta de sua casa e por sua mulher o chamando.
Apesar da explosão de atividade chinesa, os EUA continuam a ser o maior investidor externo na Ásia, e Washington mantém de longe a maior presença militar na região. Ninguém está sugerindo que as antiquadas Forças Armadas da China estejam prestes a equiparar-se com as da superpotência mundial.
Mas o Exército de Libertação Popular está fazendo suas próprias manobras diplomáticas, e exercícios navais conjuntos realizados no mês passado pela China e a Índia, os primeiros em que as duas antigas rivais se uniram, chamaram a atenção.
Em termos militares os exercícios não significaram muito, mas o simbolismo da presença de um destróier indiano no porto de Xangai foi largamente observado.
Nem todo o mundo está convencido de que a China vá continuar a cortejar a região para sempre. ""Pequim está fazendo progresso porque estamos invisíveis e distraídos, ou, quando resolvemos nos mostrar, agimos de maneira obtusa", disse Robert Suettinger, autor de um livro sobre a China e membro do Conselho de Segurança Nacional durante boa parte da administração de Bill Clinton (1993-2001). "Não existe área de influência natural para a China no Sudeste Asiático. Mas acho que deveríamos ficar um pouco mais atentos."
Já na opinião do mais provocante James Przystup, ""a China é a grande potência do leste asiático hoje".

Tradução de Clara Allain

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