São Paulo, sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

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HAITI EM RUÍNAS

Maior fração do Orçamento do país vem de doações

Mais de 70% da população sobrevive com menos de US$ 2 por dia, e um terço dela é dependente de ajuda alimentar

A debilidade do Estado e a dependência de atores externos se combinam para a ausência de políticas de longo prazo contra pobreza


CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

Com histórico de intervenções capitaneadas pelos EUA desde 1905, ditaduras e instabilidade política, o Haiti atingido pelo terremoto desta semana já tinha mais de 60% do seu Orçamento bancado por doadores externos, segundo Bernice Robertson, analista baseada em Porto Príncipe do International Crisis Group (ICG).
A debilidade do Estado e a dependência de ONGs, instituições multilaterais e governos estrangeiros se combinam para a ausência de políticas coerentes e de longo prazo para o combate da pobreza, da degradação ambiental e da precariedade econômica -30% do PIB vem de remessas de emigrantes.
"O financiamento flutua de acordo com as circunstâncias políticas, as estratégias dos doadores variam, e o governo tem pouca influência sobre o uso de recursos. A visibilidade dos projetos, não bons resultados, é muitas vezes a prioridade", diz o último relatório do ICG sobre o Haiti, divulgado em abril do ano passado.
O texto do centro de estudos especializado na radiografia de áreas de conflito traz dados que ilustram a tragédia haitiana.
Mais de 70% da população vive com menos de US$ 2 por dia, e 56% com menos de US$ 1. Apesar de majoritariamente rural, o Haiti produz apenas 46% dos alimentos que consome. Os dependentes de ajuda alimentar chegaram a 3,3 milhões, um terço da população, depois dos furacões de 2008.
O ingresso na Petrocaribe, iniciativa venezuelana de venda de petróleo em condições mais favoráveis do que as de mercado, aliviou os gastos com combustível, que eram de 50% das importações.
Mas 75% da energia usada pelos haitianos ainda vem da queima do carvão, o que levou à destruição das florestas que cobriam o terreno montanhoso do país. A cobertura vegetal, que já tinha sido reduzida para 22% há 70 anos, agora é de menos de 2%.
A erosão do solo favorece as enchentes e dificulta a produção agrícola nos vales e encostas, contribuindo para o inchaço das cidades costeiras -um quarto da população vive em Porto Príncipe. Na capital, apenas 54% dos moradores têm acesso à água potável, proporção que é de 25% nas favelas locais e de 46% nas demais cidades. A rede pública de saúde atende a 30% da população.
"Os médicos estão pedindo gaze, remédios para dor e outros itens de primeiros socorros", disse Robertson à Folha, por e-mail.
O terremoto veio depois de período de redução das remessas e das doações internacionais, devido à crise financeira.
Nomeado enviado especial da ONU para o Haiti, o ex-presidente americano Bill Clinton queixou-se há seis meses de que conseguira apenas US$ 21 milhões de US$ 760 milhões prometidos em conferência de doadores em abril de 2009. Na época, o objetivo ainda era cobrir o prejuízo dos furacões, estimado em US$ 1 bilhão.
Apesar do aumento relativo da segurança sob o mandato da força de intervenção aprovada pela ONU após a deposição do presidente Jean-Bertrand Aristide, o país demora a alcançar estabilidade política.
O presidente René Preval, eleito em 2006, está no seu terceiro primeiro-ministro. Transferidas de novembro de 2009 para o mês que vem, as eleições legislativas estavam sendo contestadas devido ao veto à participação de 15 agremiações políticas, incluindo o Lavalas, ainda formalmente dirigido por Aristide.
No século 19, o Haiti pagou indenização à França para obter o reconhecimento de sua independência. Na democratização, nos anos 90, teve que assumir dívida externa deixada pelo clã Duvalier, parte da qual só recentemente foi perdoada.
Para o ICG, é fundamental que o país possa assumir o comando de seu desenvolvimento. "A reconstrução deve ser orientada nacionalmente, com a participação ativa dos setores empresariais e políticos e da sociedade civil", escreveu o centro de estudos ainda sobre os furacões de 2008.


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