São Paulo, sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

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Para historiador, singularidade haitiana devia ser mais enfatizada

MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

Para o historiador Manolo Florentino, professor de história na Universidade Federal do Rio de Janeiro, "chama a atenção" que a singularidade haitiana esteja sendo pouco mencionada após o terremoto que devastou o país. "O Haiti é o único caso de revolta escrava que toma o poder nas Américas", diz.
Organizador de "Tráfico, Cativeiro e Liberdade" (ed. Civilização Brasileira) e colunista da Folha, Florentino lembra que o país caribenho e a ilha de São Tomé (atual São Tomé e Príncipe), ex-colônia portuguesa na África, são os únicos episódios em que escravos conseguiram tomar o poder de forma bem-sucedida. "São os únicos casos na história da humanidade, levando-se em conta inclusive a escravidão greco-romana."
O levante haitiano (Revolução Haitiana) foi na verdade uma série de conflitos entre 1791 e 1804. Envolveu a França, Espanha e Inglaterra. A revolta em São Tomé havia ocorrido já no final do século 16, tendo se prolongado até o início do século 17. Enquanto o Haiti conseguiu sua independência definitiva em 1804, porém, São Tomé voltou ao domínio português.
Os dois levantes redundaram na destruição do sistema de plantações e no estabelecimento de economias camponesas, com uma sucessão de governantes ex-escravos.
No mundo colonial, os dois casos provocaram o temor de novos levantes bem-sucedidos de escravos, movimento que ficou conhecido na historiografia como haitianismo. "Isso era muito discutido no Brasil também, a partir da abertura dos portos, em 1808", diz Florentino. "As elites escravocratas de toda a América tinha medo. Isso perdurou até 1830, 1840."
Se, por um lado, as revoltas êxitosas foram precursoras do fim da escravidão e da independência política no contexto do antigo mundo colonial, condenaram esses países de um ponto de vista econômico. Viraram economias camponesas e miseráveis. Como lembra o historiador, no caso do Haiti isso redundou, no século 20, na "cleptocracia" da ditadura Duvalier.
A Revolução Haitiana também despertou o interesse do escritor cubano (de origem suíça) Alejo Carpentier (1904-1980), que colaborou com o governo cubano na década de 60 e dedicou à Revolução Haitiana o romance "O Reino Deste Mundo", publicado originalmente em 1949. A obra teve uma edição brasileira em 1994 (pela ed. Civilização Brasileira) e está atualmente fora de catálogo.
Carpentier utiliza personagens reais do levante haitiano -como o cunhado de Napoleão, o general Charles Leclerc, enviado pelo imperador para restabelecer o controle europeu na região. Mas a obra não pode ser tomada como uma descrição fiel do movimento, pois romantiza figuras históricas e toma licenças poéticas.
Florentino diz que a obra mais importante sobre o período é "The Cambridge History of Latin America" (University Press, Cambridge), organizada por Leslie Bethell. Essa coleção ganhou uma edição brasileira ("História da América Latina", pela ed. Edusp). "Mas a edição brasileira suprimiu justamente a revolta haitiana, uma das três grandes revoluções do século 18. É espantoso."


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