São Paulo, sábado, 15 de janeiro de 2011

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DEPOIMENTO

Capital promove buzinaço pela "wikirevolution'

RENATA LO PRETE
MELCHIADES FILHO
EM TÚNIS

O centro de Túnis, capital da Tunísia, descobriu ontem o que é buzinaço.
Fez barulho de madrugada, para festejar a queda do preço de pão, leite e açúcar -derradeira promessa de Ben Ali na tentativa de se segurar na Presidência.
E, no final da tarde, para celebrar o relato de que o ditador decidira fugir do país depois de 23 anos no poder.
Pouco antes, milhares de pessoas marchavam pela Habib Bourguiba, principal avenida de Túnis, decorada com um gigantesco cartaz de Ben Ali -a fotografia que (ainda) se vê por todo o país, em praças, monumentos e comércio.
Chegamos ao local no momento em que a polícia procurava, sem sucesso, dispersar o protesto com gás lacrimogêneo.
Vínhamos de Cartago, subúrbio de Túnis, depois de uma malsucedida visita a ruínas históricas -as ruas tinham sido bloqueadas por fogueiras de pneus.
Ao contrário dos dias anteriores, blindados do Exército não ocupavam mais o viaduto que cruza a via.
Em vez deles, fileiras de carros "civis" -a despeito do tráfego escasso, pois ontem houve greve geral na cidade. Eram motoristas que pararam para observar o confronto e incentivar os manifestantes. Lá embaixo, empunhando cartazes, só homens e sobretudo jovens.
A inflação e o desemprego assolam os países do norte da África e do Oriente Médio. Há especialmente na Tunísia uma geração de jovens sem perspectiva.
Foi o ato desesperado de um deles que, há cerca de um mês, serviu de estopim para o levante -o rapaz, com formação universitária, ateou fogo ao corpo quando lhe tiraram a licença da banca de frutas com a qual sustentava a família.
E foi a rede de jovens que ajudou a organizar os protestos pelo país e garantiu que estes fossem divulgados -a despeito da repressão policial, do controle estatal da imprensa (o editor do principal jornal "independente" é genro de Ben Ali) e da censura à internet (Facebook, Twitter e Youtube foram bloqueados).
Durante esta semana, grupos de jovens eram vistos o tempo todo no centro de Túnis trocando mensagens pelo celular.
A insistência do presidente em caracterizar a insatisfação como obra de "terroristas" só fez apressar os gritos de "fora, Ben Ali".
Pão barato e Youtube livre não bastavam. Os jovens não recuaram de exigir a renúncia do ditador -exposto como "corrupto" e "incompetente" nos despachos recém-vazados da diplomacia dos EUA e replicados pelos insurgentes. Ainda que o futuro seja incerto, pareciam empolgados com sua "wikirevolution".


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