São Paulo, Sexta-feira, 15 de Janeiro de 1999
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ANÁLISE
"Pólo de poder na América Latina" é retórica populista

CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial

A defesa de um "pólo de poder na América Latina", feita pelo coronel Hugo Chávez, presidente eleito da Venezuela, é a reprodução da retórica típica do caudilhismo populista da América Latina.
Bem antes dele, outro caudilho populista (e militar), o general-presidente argentino Juan Domingo Perón, já havia cunhado uma das frases mais repetidas por seus seguidores e na essência parecida com a de Chávez:
"O ano 2000 nos encontrará unidos ou dominados", dizia Perón, nos anos 50, referindo-se à América Latina.
O ano 2000 está às portas, a América Latina (ou, pelo menos, a do Sul) jamais esteve tão integrada como agora, mas nem por isso é menos dominada ou menos subordinada aos interesses dos países centrais.
De todo modo, a tese de Chávez tem, agora, um elemento a seu favor e outro que joga contra.
A favor: a diplomacia brasileira trabalha exatamente com essa perspectiva, embora com a discrição habitual e sem a retórica agressiva do presidente eleito da Venezuela.
O Itamaraty nunca escondeu que gostaria de construir uma Alcsa (Área de Livre Comércio Sul-Americana), para fortalecer a posição negociadora do subcontinente no diálogo com os EUA em torno da Alca (Área de Livre Comércio das Américas, prevista para abranger os 34 países americanos, excluída apenas Cuba).
Contra, trabalha o fato de que a crise no Brasil tende a esfriar o interesse de seu governo -e também de seus empresários- por mais integração regional, na medida em que ela é um jogo permanente de concessões recíprocas. Um país sitiado como o Brasil hoje está evitando qualquer concessão.
Pior: a crise brasileira, mesmo que não se agrave mais ainda, já está provocando uma desaceleração econômica também em seus vizinhos.
O que é lógico, pela inescapável influência que tem sobre eles um país que responde por 45% do PIB total latino-americano (Produto Interno Bruto, medida da renda de um país ou, no caso, região).
Países fragilizados por dificuldades econômicas tornam-se inexoravelmente mais dependentes das potências regionais ou mundiais. No caso da América Latina, dá-se o fato de que a potência regional (os EUA) é também a superpotência mundial.
Há, pois, hoje, mais chances de a América Latina aprofundar a sua dependência dos EUA do que de se transformar, como quer Hugo Chávez, em pólo capaz de pelo menos dialogar em condições de menos desigualdade com a única superpotência restante.


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