São Paulo, Sexta-feira, 15 de Janeiro de 1999
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VENEZUELA
Presidente eleito mantém equipe econômica do governo anterior e diz que não vai mexer na política cambial
Chávez defende "cautela econômica"

da Redação

O presidente eleito da Venezuela, Hugo Chávez, 44, venceu nas urnas prometendo reformas profundas. Na área econômica, porém, o futuro líder venezuelano prefere ser cauteloso -anunciou que irá manter o titular do Ministério da Economia no cargo e fala em mudanças na política financeira, mas não especifica quais seriam. Chávez, em entrevista ao "El País", garante que não vai mexer na política cambial do país. Afirma, porém, que, "no fundo", tem um projeto de transformação do modelo econômico venezuelano. O presidente eleito volta a exigir a instalação de uma Assembléia Constituinte e diz apoiar a criação de um bloco latino-americano. Chávez, que liderou tentativa de golpe em 1992, foi eleito no último dia 6 e deve assumir o cargo no próximo 2 de fevereiro. Desde o último final de semana, ele está visitando vários líderes europeus. Hoje, Chávez deve se reunir com o premiê da Itália, Massimo D'Alema. Leia abaixo os principais trechos da entrevista. JOSÉ MIGUEL LARRAYA
do "El País"

Pergunta - O sr. diz ser bolivariano em memória de Simón Bolívar (1783-1830), que lutou contra o império espanhol. Contra qual império o sr. luta? Hugo Chávez Frías - Não. Sou bolivariano porque foi Bolívar que elaborou o primeiro projeto de país-nação da América Latina. Bolívar, junto com Miranda e outros líderes, foi um construtor de repúblicas. Sou bolivariano quando Bolívar diz que o sistema de governo democrático devia fazer feliz a um povo e, se não o faz, não é democrático. Bolívar em seu conceito de que o Exército e o povo devem estar unidos na construção de um projeto nacional. Pergunta - O sr. afirma que tem um projeto para a Venezuela. Por onde esse projeto vai começar? Chávez - Antes de mais nada, não se trata de um projeto pessoal. Trata-se de um projeto coletivo. Deveria dizer, como Bolívar, que o homem é como uma palha fraca arrastada por um furacão, ou, como diria o barão de Montesquieu, o líder deve montar sobre a onda e tratar de conduzi-la. E há uma onda descontrolada, o poder constituinte. Pergunta - E essa onda, para onde vai? Chávez - Uma das primeiras coisas, como dissemos na campanha eleitoral, será convocar um referendo democrático e perguntar ao país qual o caminho a seguir: se seguimos esse mesmo modelo político, dando voltas ao redor de nós mesmos e afundando mais a cada dia, ou se damos um salto adiante, convocando uma Assembléia Constituinte. Pergunta - O sr. acha que tem apoio suficiente para mudar a Constituição? Chávez - Antes de virmos à Europa, vimos uma pesquisa feita em Caracas (capital da Venezuela) na qual 78% dos moradores consultados na cidade diziam sim a eleições constituintes já. Tudo indica que haverá uma resposta positiva ao referendo. Pergunta - A permanência, em seu futuro governo, da ministra da Economia do governo anterior é um gesto de continuidade e pretende dar confiança aos investidores estrangeiros? Chávez - Não tanto de continuidade -vamos transformar o modelo econômico-, mas de reconhecimento da grande capacidade técnica da ministra Mari Fe Izaguirre no trabalho feito nos últimos meses, o equilíbrio das contas macroeconômicas. Nós temos dito que vamos continuar com o sistema de bandas cambiais. Não vamos utilizar a desvalorização com fins ficais. Não vamos estabelecer um controle de câmbio. Mas, para além do macroeconômico, no fundo, temos também um projeto de transformação do modelo econômico da Venezuela, já que o atual não está servindo para satisfazer as necessidades da população. Pergunta - Como o sr. se coloca em relação aos EUA? Chávez - Acredito que devemos ser grandes aliados. Nesta semana, recebi uma ligação do presidente argentino, Carlos Menem, que estava com o presidente Clinton em Washington. Estamos planejando a viagem para lá (programada para o final deste mês). Seremos aliados, sem dúvida. Pergunta - E com Cuba? Chávez - A mesma coisa. Somos amigos de Cuba. Pergunta - O sr. vai a Havana (capital cubana) no domingo? Chávez - Amanhã à noite. Pergunta - O sr. está à mesma distância de Washington e de Havana? Chávez - Ponha-me à mesma distância da Espanha, de Washington, de Havana, de Moscou, da Índia e da China. À mesma distância de todos. Pergunta - Sua primeira visita como presidente eleito foi ao Brasil e, depois, a Argentina, Colômbia e México. O sr. apóia a criação de um bloco latino-americano? Chávez - O mundo não é mais bipolar, nem unipolar. Temos a necessidade, e boas chances, de formar um pólo de poder na América Latina e Caribe. Acelerarei como puder os projetos de integração que temos com a América Latina. Pergunta - Qual o maior risco que ameaça seu projeto político? Chávez - O maior risco que enfrentamos na Venezuela é o da ingovernabilidade na que caiu o sistema venezuelano. Por isso a necessidade da Assembléia Constituinte. É um necessidade imperiosa. A Constituinte é o mecanismo para reordenar o sistema que caiu em uma etapa de entropia. Nada funciona. Precisamos dar viabilidade e governabilidade ao sistema. Se não tivermos uma Constituinte logo, corremos o risco de fracassar.

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