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São Paulo, terça-feira, 15 de abril de 2003

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DIÁRIO DE BAGDÁ

Polícia volta às ruas, sem armas e com marines


O comando militar dos EUA dividiu a cidade em 60 regiões para realizar o patrulhamento conjunto

"Tratem os cidadãos como seus irmãos, seus amigos", disse um chefe militar local aos policiais iraquianos



JUCA VARELLA E SÉRGIO DÁVILA
ENVIADOS ESPECIAIS

A polícia começou a voltar precariamente às ruas de Bagdá ontem, em patrulhas conjuntas com marines norte-americanos. Cerca de 2.000 voluntários, a maioria ex-policiais, se apresentaram na manhã de ontem no quartel-general da força atendendo a apelos feitos durante todo o fim de semana pela rádio da coalizão anglo-americana para que o policiamento da cidade fosse retomado.
A princípio, os iraquianos estão saindo desarmados, em trajes militares, mas também à paisana, em grupos de quatro e sempre acompanhados por soldados.
A nova força foi convocada como primeiro passo para acabar com a onda de saques que tomou a cidade e deixou um rastro de destruição e de incêndios em todos os bairros. "É o primeiro passo para que Bagdá volte ao normal", disse o general Zuhair Al Nuami, ex-comandante da polícia local, que agora atua sob a supervisão de um representante do Exército norte-americano.
Além do patrulhamento das ruas, uma das primeiras missões da nova força foi parar carros suspeitos ou com cargas suspeitas em busca do fruto de pilhagem. Nas diversas pontes que cruzam o rio Tigre e ligam os dois lados da cidade, era possível ver bloqueios feitos por veículos militares norte-americanos em que marines e policiais trabalhavam juntos nas revistas. As apreensões eram empilhadas nas calçadas e iam de cadeiras a rádios antigos, passando por camas e talheres.
Outra missão da nova polícia beira o irônico: tentar recuperar seus próprios carros. É que a maioria dos Nissan Maxima usados pelas delegacias antes da queda do regime foi roubada nos dias de saque que se seguiram à queda do regime, na quarta passada.
Os carros que sobraram, no entanto, começaram a deixar a sede central da polícia ao longo de todo o dia de ontem. Ao passar pelas principais ruas da cidade, muitos dos pequenos comboios foram recebidos com aplausos e gritos de alegria dos pedestres.

Saddam e a polícia
"Quando ouvi o chamado da rádio da coalizão, resolvi me apresentar para voltar ao trabalho, mesmo tendo sido convocado por marines", disse à Folha o major Abdul Gafor-Mahmoud.
Antes disso, ele tinha receio de sair às ruas com seu uniforme verde-oliva e correr o risco de ser identificado com um simpatizante do regime recém-derrubado. "Mas é um erro relacionar as polícias municipais a Saddam Hussein", disse ele.
Segundo Gafor-Mahmoud, o ex-ditador iraquiano privilegiava os diversos serviços secretos e guardas militares que foi criando ao longo de três décadas de governo e deixava a polícia relegada a segundo plano. "Cada delegacia tinha direito a apenas um carro novo por ano, e para nós sobravam sempre as armas mais velhas", afirmou. "A polícia de Bagdá odiava Saddam Hussein."
Para organizar o patrulhamento, o comando militar norte-americano dividiu a cidade em 60 regiões e afirma que encontra bolsões de resistência em até 15 delas, cada uma com entre 5 e 25 soldados ou milicianos, a maioria composta de árabes não-iraquianos, geralmente com passaporte sírio ou palestino.
Estes últimos, no entanto, só serão combatidos pelos marines, não cabendo aos policiais iraquianos o confronto direto.
Antes de saírem de volta às ruas, os policiais iraquianos ouviram um discurso do general Mohammed Al Bandar, um dos comandantes locais. "Tratem os cidadãos como se eles fossem seus irmãos, seus amigos", disse ele. "O cidadão tem de sentir a mudança, nós agora estamos em uma democracia."
Visão diferente tinha o marine que acompanhou um dos primeiros comboios. "Nós vamos atirar em qualquer um que esteja carregando uma arma e tenha uma atitude ameaçadora."


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