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DIÁRIO DE BAGDÁ
Polícia volta às ruas, sem armas e com marines
O comando militar dos EUA dividiu a cidade em 60
regiões para realizar o patrulhamento conjunto
"Tratem os cidadãos como seus irmãos, seus amigos",
disse um chefe militar local aos policiais iraquianos
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JUCA VARELLA E SÉRGIO DÁVILA
ENVIADOS ESPECIAIS
A polícia começou a voltar precariamente às ruas de Bagdá ontem, em patrulhas conjuntas com
marines norte-americanos. Cerca
de 2.000 voluntários, a maioria
ex-policiais, se apresentaram na
manhã de ontem no quartel-general da força atendendo a apelos
feitos durante todo o fim de semana pela rádio da coalizão anglo-americana para que o policiamento da cidade fosse retomado.
A princípio, os iraquianos estão
saindo desarmados, em trajes militares, mas também à paisana,
em grupos de quatro e sempre
acompanhados por soldados.
A nova força foi convocada como primeiro passo para acabar
com a onda de saques que tomou
a cidade e deixou um rastro de
destruição e de incêndios em todos os bairros. "É o primeiro passo para que Bagdá volte ao normal", disse o general Zuhair Al
Nuami, ex-comandante da polícia local, que agora atua sob a supervisão de um representante do
Exército norte-americano.
Além do patrulhamento das
ruas, uma das primeiras missões
da nova força foi parar carros suspeitos ou com cargas suspeitas
em busca do fruto de pilhagem.
Nas diversas pontes que cruzam o
rio Tigre e ligam os dois lados da
cidade, era possível ver bloqueios
feitos por veículos militares norte-americanos em que marines e
policiais trabalhavam juntos nas
revistas. As apreensões eram empilhadas nas calçadas e iam de cadeiras a rádios antigos, passando
por camas e talheres.
Outra missão da nova polícia
beira o irônico: tentar recuperar
seus próprios carros. É que a
maioria dos Nissan Maxima usados pelas delegacias antes da queda do regime foi roubada nos dias
de saque que se seguiram à queda
do regime, na quarta passada.
Os carros que sobraram, no entanto, começaram a deixar a sede
central da polícia ao longo de todo
o dia de ontem. Ao passar pelas
principais ruas da cidade, muitos
dos pequenos comboios foram
recebidos com aplausos e gritos
de alegria dos pedestres.
Saddam e a polícia
"Quando ouvi o chamado da rádio da coalizão, resolvi me apresentar para voltar ao trabalho,
mesmo tendo sido convocado
por marines", disse à Folha o major Abdul Gafor-Mahmoud.
Antes disso, ele tinha receio de
sair às ruas com seu uniforme verde-oliva e correr o risco de ser
identificado com um simpatizante do regime recém-derrubado.
"Mas é um erro relacionar as polícias municipais a Saddam Hussein", disse ele.
Segundo Gafor-Mahmoud, o
ex-ditador iraquiano privilegiava
os diversos serviços secretos e
guardas militares que foi criando
ao longo de três décadas de governo e deixava a polícia relegada a
segundo plano. "Cada delegacia
tinha direito a apenas um carro
novo por ano, e para nós sobravam sempre as armas mais velhas", afirmou. "A polícia de Bagdá odiava Saddam Hussein."
Para organizar o patrulhamento, o comando militar norte-americano dividiu a cidade em 60 regiões e afirma que encontra bolsões de resistência em até 15 delas,
cada uma com entre 5 e 25 soldados ou milicianos, a maioria composta de árabes não-iraquianos,
geralmente com passaporte sírio
ou palestino.
Estes últimos, no entanto, só serão combatidos pelos marines,
não cabendo aos policiais iraquianos o confronto direto.
Antes de saírem de volta às ruas,
os policiais iraquianos ouviram
um discurso do general Mohammed Al Bandar, um dos comandantes locais. "Tratem os cidadãos como se eles fossem seus irmãos, seus amigos", disse ele. "O
cidadão tem de sentir a mudança,
nós agora estamos em uma democracia."
Visão diferente tinha o marine
que acompanhou um dos primeiros comboios. "Nós vamos atirar
em qualquer um que esteja carregando uma arma e tenha uma atitude ameaçadora."
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