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CIDADE SEM LEI
Representantes e líderes locais estabelecem prioridades para capital voltar a funcionar
EUA e moradores reorganizam Bagdá
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A BAGDÁ
Bagdá começou a reorganizar
sua vida político-administrativa
pós-Saddam Hussein na manhã
de ontem, num encontro discreto
porém decisivo realizado no salão
Aladim do hotel Palestine, sede
informal do comando militar
norte-americano no centro da capital iraquiana.
Aqui, comandados por Mohammed Mohsen Zubaid e observados pelo responsável por relações públicas dos marines, representantes de diversos setores da
sociedade civil e líderes religiosos
se reuniram para colocar em prática um plano para fazer a cidade
voltar a funcionar.
Eletricidade, água, telefonia, segurança, trânsito, transportes públicos e volta ao trabalho foram as
prioridades definidas.
Cada uma dessas áreas ganhou
o que pode ser chamado muito livremente de "ministros", que tentariam a partir de ontem remontar equipes e checar o que sobrou
de documentos e estrutura em cada órgão público equivalente depois de semanas de bombardeios,
seguidas de dias de saques e incêndios.
Segundo a conclusão dos presentes, a energia elétrica deve voltar à parte leste da cidade em no
máximo três dias e ao resto em
uma semana.
À frente deles, Mohammed Zubaid fazia o papel mais próximo
do que a capital iraquiana vai poder chamar de "prefeito" nos próximos dias.
"A prioridade é restaurar a ordem", disse na reunião o bagdali
de 57 anos, membro do Congresso Nacional Iraquiano, uma coalizão de exilados políticos comandada pelo xiita Ahmad Chalabi e
escolhida pelo Departamento da
Defesa norte-americano para liderar a transição de poder no Iraque pós-Saddam.
Ele foi alçado ao cargo informal
pelo comando militar norte-americano e encontra certa dificuldade em se aclimatar numa cidade
que abandonou há 25 anos, quando se exilou na Síria e na Jordânia,
países vizinhos.
Sobre suas credenciais administrativas, disse ter feito um curso
de comando de cidades submetidas a desastres patrocinado pelo
Departamento da Defesa. Se vai
funcionar ou não no cargo o tempo dirá, mas ele responde a anseios dos bagdalis expressos de
novo ontem nas ruas.
Em frente ao Hotel Palestine,
centenas de manifestantes, desta
vez chegando em comboios nas
boléias de caminhões, deram um
recado aos soldados norte-americanos que pode ser resumido na
frase que um deles gritava: "Obrigado por nos livrar da ditadura,
mas agora vão embora e nos deixem decidir nosso destino".
A principal queixa é a cada vez
mais evidente falta de plano da
coalizão anglo-americana para o
período imediatamente posterior
à queda do regime de Saddam
Hussein.
Museu destruído
O despreparo se traduziu principalmente em saques, que começaram tendo prédios públicos ou
ligados ao regime como alvo mas
evoluíram para residências privadas, embaixadas e, nos últimos
dias, para a sede do Teatro Nacional, que queimava na tarde de ontem, ou o Museu de Bagdá, que
causou a revolta de estudiosos no
mundo inteiro.
Na sexta-feira, o local foi invadido e cerca de 170 mil itens, valendo bilhões de dólares, foram roubados ou destruídos. A Unesco
definiu o episódio de "desastre
cultural sem precedentes".
Ontem, apesar de a quantidade
de saques ter arrefecido, um novo
patrimônio nacional penava nas
mãos dos pilhadores. Era a sede o
Ministério do Desenvolvimento
Religioso, que traz entre seus prédios o da Biblioteca Islâmica Nacional.
Do último foram levados dezenas de manuscritos e livros centenários. Foram queimadas ainda
coleções completas de jornais que
retratavam a vida do país desde o
Império Otomano, em edições do
século retrasado.
De qualquer forma, o número
decrescente de saques foi atribuído pelas autoridades a dois fatores: a volta da polícia às ruas,
acompanhada dos marines, e a
organização da sociedade para
tentar recuperar itens roubados.
Para tanto, foi fundamental o
envolvimento dos imãs, os líderes
religiosos locais, que soltaram
editos ordenando que os fiéis devolvessem nas mesquitas o que tivessem roubado.
Grupos de cidadãos armados
também passaram a parar carros
suspeitos e recuperar mercadorias saqueadas.
Mais tiroteios
No final da noite de ontem, era
possível ouvir tiroteios vindos da
parte sul da cidade. Segundo marines, são alguns bolsões de resistência iraquiana, que escolhem a
noite para agir.
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