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São Paulo, terça-feira, 15 de abril de 2003

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CIDADE SEM LEI

Representantes e líderes locais estabelecem prioridades para capital voltar a funcionar

EUA e moradores reorganizam Bagdá

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A BAGDÁ

Bagdá começou a reorganizar sua vida político-administrativa pós-Saddam Hussein na manhã de ontem, num encontro discreto porém decisivo realizado no salão Aladim do hotel Palestine, sede informal do comando militar norte-americano no centro da capital iraquiana.
Aqui, comandados por Mohammed Mohsen Zubaid e observados pelo responsável por relações públicas dos marines, representantes de diversos setores da sociedade civil e líderes religiosos se reuniram para colocar em prática um plano para fazer a cidade voltar a funcionar.
Eletricidade, água, telefonia, segurança, trânsito, transportes públicos e volta ao trabalho foram as prioridades definidas.
Cada uma dessas áreas ganhou o que pode ser chamado muito livremente de "ministros", que tentariam a partir de ontem remontar equipes e checar o que sobrou de documentos e estrutura em cada órgão público equivalente depois de semanas de bombardeios, seguidas de dias de saques e incêndios.
Segundo a conclusão dos presentes, a energia elétrica deve voltar à parte leste da cidade em no máximo três dias e ao resto em uma semana.
À frente deles, Mohammed Zubaid fazia o papel mais próximo do que a capital iraquiana vai poder chamar de "prefeito" nos próximos dias.
"A prioridade é restaurar a ordem", disse na reunião o bagdali de 57 anos, membro do Congresso Nacional Iraquiano, uma coalizão de exilados políticos comandada pelo xiita Ahmad Chalabi e escolhida pelo Departamento da Defesa norte-americano para liderar a transição de poder no Iraque pós-Saddam.
Ele foi alçado ao cargo informal pelo comando militar norte-americano e encontra certa dificuldade em se aclimatar numa cidade que abandonou há 25 anos, quando se exilou na Síria e na Jordânia, países vizinhos.
Sobre suas credenciais administrativas, disse ter feito um curso de comando de cidades submetidas a desastres patrocinado pelo Departamento da Defesa. Se vai funcionar ou não no cargo o tempo dirá, mas ele responde a anseios dos bagdalis expressos de novo ontem nas ruas.
Em frente ao Hotel Palestine, centenas de manifestantes, desta vez chegando em comboios nas boléias de caminhões, deram um recado aos soldados norte-americanos que pode ser resumido na frase que um deles gritava: "Obrigado por nos livrar da ditadura, mas agora vão embora e nos deixem decidir nosso destino".
A principal queixa é a cada vez mais evidente falta de plano da coalizão anglo-americana para o período imediatamente posterior à queda do regime de Saddam Hussein.

Museu destruído
O despreparo se traduziu principalmente em saques, que começaram tendo prédios públicos ou ligados ao regime como alvo mas evoluíram para residências privadas, embaixadas e, nos últimos dias, para a sede do Teatro Nacional, que queimava na tarde de ontem, ou o Museu de Bagdá, que causou a revolta de estudiosos no mundo inteiro.
Na sexta-feira, o local foi invadido e cerca de 170 mil itens, valendo bilhões de dólares, foram roubados ou destruídos. A Unesco definiu o episódio de "desastre cultural sem precedentes".
Ontem, apesar de a quantidade de saques ter arrefecido, um novo patrimônio nacional penava nas mãos dos pilhadores. Era a sede o Ministério do Desenvolvimento Religioso, que traz entre seus prédios o da Biblioteca Islâmica Nacional.
Do último foram levados dezenas de manuscritos e livros centenários. Foram queimadas ainda coleções completas de jornais que retratavam a vida do país desde o Império Otomano, em edições do século retrasado.
De qualquer forma, o número decrescente de saques foi atribuído pelas autoridades a dois fatores: a volta da polícia às ruas, acompanhada dos marines, e a organização da sociedade para tentar recuperar itens roubados.
Para tanto, foi fundamental o envolvimento dos imãs, os líderes religiosos locais, que soltaram editos ordenando que os fiéis devolvessem nas mesquitas o que tivessem roubado.
Grupos de cidadãos armados também passaram a parar carros suspeitos e recuperar mercadorias saqueadas.

Mais tiroteios
No final da noite de ontem, era possível ouvir tiroteios vindos da parte sul da cidade. Segundo marines, são alguns bolsões de resistência iraquiana, que escolhem a noite para agir.


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