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RELIGIÃO
Para pesquisador indiano, partidos religiosos não devem ser reprimidos para haver mudança
Islã precisa de democracia, diz analista
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
Doutor em relações internacionais pela Universidade de Georgetown, em Washington, e diretor do programa de estudos internacionais do Adrian College, no
Estado de Michigan, o indiano
Muqtedar Khan integra a comunidade muçulmana nos EUA, onde vive há 11 anos, e participa do
conselho do Centro de Estudos do
Islã e da Democracia.
Crítico da guerra contra o Iraque, que considera "ilegal e ilegítima", Khan, 37, acredita que o nacionalismo árabe está morto e que
o pan-islamismo é a nova expressão do sentimento anticolonial no
Oriente Médio. Em entrevista à
Folha, ele diz que não haverá democracia na região enquanto os
partidos religiosos forem reprimidos. "Os muçulmanos precisam passar pela experiência de levar os movimentos islâmicos ao
poder democraticamente", disse.
Folha - Boa parte dos iraquianos
parece ter comemorado a queda de
Saddam. Como o senhor interpreta
isso?
Muqtedar Khan - Saddam era um
ditador e os iraquianos gostariam
de ter se livrado dele há muito
tempo. A maioria dos muçulmanos vem pedindo mudanças de
regime no Oriente Médio há décadas. Mas a questão-chave, de
uma perspectiva geopolítica, é se
a guerra ilegal e ilegítima de Bush
e sua estratégica de ataques preventivos estão sendo legitimadas
pela reação dos iraquianos.
Folha - Estão?
Khan - Não. Bush não atacou o
Iraque para libertar o povo iraquiano, mas para encontrar armas de destruição em massa.
Mesmo que encontrem alguma
coisa agora, o fato é que Saddam
Hussein, mesmo na perspectiva
de ser derrotado, não usou armas
químicas. Bush terá que responder por isso diante da opinião pública americana e internacional.
Folha - A opinião pública americana vai cobrar isso?
Khan - Mais de 55% dos americanos acreditam que Saddam foi
responsável pelos atentados de 11
de setembro. O problema para
Bush agora não vem da maioria
da população, mas do fato de que
alguns líderes democratas terão
como resgatar seu caráter e perguntar: onde estão as armas de
que vocês falavam? Além disso,
existe uma disputa interna no
Partido Republicano, entre os
conservadores tradicionais que
eram próximos de Bush pai e os
novos caubóis, que ganharam um
voto de confiança e não fizeram
jus a ele. Para os EUA, a questão
agora é ganhar a paz. Se a ONU
não tiver papel preponderante no
pós-guerra, serão vistos como um
poder colonial. Tony Blair, ao
pretender retomar a questão do
Estado palestino, tenta impedir
que o governo Bush comece a
pensar na próxima guerra.
Folha - O senhor acredita que esse será o próximo passo?
Khan - Bush não será capaz de
demonstrar internamente a necessidade de atacar a Síria ou o
Irã. A campanha presidencial começa e será complicada para ele,
por mais que agora desfrute do
aplauso da população. O governo
tem um déficit de credibilidade.
Não achou Bin Laden, não achou
o mulá Omar, não achou sequer a
pessoa que estava mandando cartas com antraz. A única coisa que
fez foi baixar impostos barbaramente no mesmo ano em que entrou em uma guerra.
Folha - Na sua opinião, o nacionalismo árabe está vivo?
Khan - Não. Hoje ele é representado por regimes decrépitos como o de Mubarak no Egito e o de
Assad na Síria. O autoritarismo e
a intolerância no mundo árabe
vêm dos regimes seculares. Os
movimentos islâmicos foram
mantidos fora do poder pela repressão e nunca tiveram a oportunidade de falhar ou se legitimar.
Folha - Em sua origem, o nacionalismo árabe defendia a soberania, a República, alguma separação
entre religião e Estado. Qual seria a
alternativa?
Khan - Há outro modo de examinar o nacionalismo árabe, como instrumento do colonialismo
inglês. O que chamamos de "revolta árabe" durante a Primeira
Guerra Mundial foi instigada pela
Grã-Bretanha, para abrir uma nova frente contra o império otomano. O nacionalismo é essencialmente uma idéia britânica para
minar a idéia pan-islâmica do califado. Os partidos religiosos, por
sua vez, assumem que o Islã vai
resolver todos os problemas e não
têm nem uma boa análise de
quais sejam os problemas do
Oriente Médio nem políticas específicas para resolvê-los.
Folha - Se houvesse eleições livres nos países árabes, eles seriam
vitoriosos?
Khan - Os partidos religiosos
chegariam ao poder não por causa de seu programa, mas como
uma expressão do antiamericanismo. O que se chama de fundamentalismo islâmico é outra expressão do sentimento anticolonial. Os muçulmanos sentem que
se livraram apenas fisicamente do
colonialismo. Agora, pensam que
têm que resgatar sua cultura e sua
identidade. Quando os partidos
religiosos dizem que "só Deus é
soberano" num Estado islâmico,
estão dizendo "a América não
tem soberania sobre nós".
Folha - O senhor acredita que esse partidos devem ter a oportunidade de governar?
Khan - Claro. A secularização, a
modernização e a democratização da Europa aconteceram após
cem anos de guerras religiosas.
Esperamos que isso não aconteça
no Oriente Médio, mas os muçulmanos precisam passar pela experiência de levar movimentos islâmicos ao poder democraticamente. O filósofo iraniano Karim
Soroush, assessor do presidente
Mohamed Khatami, disse recentemente que o que houve em 1979
foi uma rejeição em massa da ocidentalização. Não foi uma revolução islâmica, mas antiocidental, e
foi na verdade liderada por esquerdistas e comunistas. Para ele,
a atual revolução no Irã, por liberdade e democracia, é a verdadeira
revolução islâmica. O Irã está
amadurecendo há 20 anos. Talvez
devêssemos dar ao Oriente Médio
20 anos de experiência com a solução islâmica. Quem sabe?
Folha - O que se diz é que, uma
vez no poder, os movimentos islâmicos acabam com a democracia.
Khan - Na Turquia, os islâmicos
chegaram ao poder três vezes, em
1969, 1996 e agora. Nas duas primeiras, foram os militares que
minaram a democracia para derrubá-los. Na Indonésia, eles também entregaram o poder.
Folha - Mas será que no Oriente
Médio terão essa oportunidade?
Khan - No caso do Iraque, ninguém está falando em eleições livres. O que estão dizendo é que
querem um governo representativo de todos os povos do país, o
que significa que vão escolher indivíduos, alguns curdos, alguns
sunitas, alguns xiitas, como no
Afeganistão. No Afeganistão, [o
presidente] Hamid Karzai não
pode nem sair na rua sem a proteção de marines. Essa análise de
que o 11 de setembro aconteceu
porque não há democracia no
Oriente Médio é errada, porque a
democratização significaria que
não haveria nenhum regime no
mundo islâmico, incluindo na
Arábia Saudita, que iria cooperar
com os EUA como os atuais.
Folha - Quais foram então as razões?
Khan - A Al Qaeda tem uma pauta de um só ponto. Quer levar o
Estado islâmico a todo o mundo
muçulmano e a chave é a conquista da Arábia Saudita. A razão para
isso é a presença das forças americanas, que estão lá para defender
a monarquia da revolução interna. O objetivo da Al Qaeda é forçar os EUA a se retirarem de lá.
Lembra do atentado contra os
marines em Beirute, em 1983? O
Hizbollah acredita que, com 3.000
combatentes, expulsou os EUA
do Líbano e depois Israel. A Al
Qaeda se deu conta de que essa
guerra não-convencional é o
meio de superar a relação assimétrica de poder. Acreditava que
com atentados os EUA se retirariam do Oriente Médio. Mas seu
cálculo deu errado e o 11 de setembro se transformou em uma
oportunidade para os EUA exercitarem seu poder militar e garantir a continuidade da dominação.
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