São Paulo, domingo, 15 de maio de 2005

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EUA

Mesmo mantendo suas posições, presidente se vê obrigado a fazer mais diplomacia e "falcões" deixam primeiro plano

Neocons perdem espaço no governo Bush

CORINE LESNES
DO "LE MONDE", EM WASHINGTON

Estarão os "falcões" em queda nos Estados Unidos? Três meses depois de iniciado o segundo mandato do presidente Bush, o ambiente em Washington mudou. Os representantes da direita mais dura deixaram o governo -promovidos e, ao mesmo tempo, calados ou mesmo deixados de lado.
Paul Wolfowitz, o ideólogo, e Douglas Feith, o "cérebro" da Guerra no Iraque, deixaram seus cargos, mas também o fizeram outras figuras menos conhecidas, como Ian Brzezinski, filho do assessor do ex-presidente Jimmy Carter, um dos ditos "civis do Pentágono" cuja saída não será lamentada por seus interlocutores transatlânticos.
Quanto a John Bolton, o "adversário do multilateralismo", a confirmação de sua muito polêmica nomeação como embaixador dos EUA na ONU é objeto de uma disputa prolongada no Senado.
Mesmo que o plenário o aprove, Bolton não teve seu nome recomendado pela Comissão de Relações Internacionais -após estudar a nomeação por semanas e examinar milhares de documentos, o comitê decidiu por 10 votos a 8, na última quinta-feira, não chancelar a escolha.
O ambiente está mais "tradicional", segundo uma antiga diplomata, Avis Bohlen. "A realidade obrigou o presidente a fazer diplomacia, mesmo que sem mudar sua posição."
No Congresso, os republicanos moderados teriam "despertado". "Eles estão fartos de ouvir dizer que as coisas estão melhorando no Iraque, mas que é preciso aprovar mais US$ 3 bilhões", afirma outro observador.
O secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, deixou de escrever memorandos sobre a experiência "transformacional" que aguarda o Exército no século 21 -ou, ao menos, não deixa que eles vazem.
"Há menos apetite por aventuras", resume o diretor da equipe democrata na Comissão de Relações Exteriores do Senado, Anthony Blinken. "O governo voltou a se preocupar mais com as grandes potências, como a China e a Rússia. Houve um retorno ao pré-11 de Setembro."

Pragmatismo
O poder, ou "a energia" , como dizem os americanos, agora está sobretudo com o Departamento de Estado. À sua frente, Condoleezza Rice constituiu uma equipe que fala com uma só voz -geralmente a sua.
A imprensa já se queixa da pouca divulgação de informações, mas os diplomatas não deixam de gostar de não mais ficarem suspensos, na dependência dos resultados dos enfrentamentos no primeiro escalão, que sempre aconteciam em plena luz.
Nem o número dois atual, Robert Zoellick, um dos signatários do manifesto neocon sobre o Iraque, nem seus colegas, são "fanáticos pelo multilateralismo", nas palavras de uma fonte familiarizada com o Departamento de Estado. Mas as aparências são mantidas. "Percebe-se o desejo de não mais quebrar pratos a toda hora."
Condoleezza Rice não mede esforços para evitar que os desentendimentos venham à tona.
Ainda na semana passada, na América Latina, ela não conseguiu organizar a "coalizão anti-Chávez" com a qual sonha o governo americano para refrear a impulsividade do presidente da Venezuela. Ela nem sequer conseguiu impor o candidato de sua preferência para a presidência da Organização dos Estados Americanos (OEA). Mas nada disso transpareceu.
Sorriso aberto, apoio tardio ao candidato preferido dos latinos, o chileno José Miguel Insulza. "Condi engole sapos com certo talento", admira um diplomata.
A mesma moderação foi vista com relação a Darfur. Os europeus queriam levar os criminosos sudaneses à Corte Penal Internacional (CPI). Os americanos não queriam legitimar o tribunal internacional. A negociação durou semanas. Finalmente, a CPI ficará a cargo de Darfur.
"É um exemplo de um tipo de acordo conciliatório que não agradava aos duros e que ela (Condoleezza) impôs", disse uma fonte familiarizada com o caso.
A secretária de Estado ousou romper com "a política inflexível decidida por Bolton", acrescentou o editorialista Jackson Diehl no "The Washington Post" de 9 de maio.
É uma abordagem pragmática, ele afirma, mas que significa "uma diminuição da preeminência americana" e "concessões ocasionais em relação às prioridades dos conservadores, como Cuba ou a Corte Penal Internacional".

O teste do Irã
No tocante ao Irã e à Europa, os neoconservadores também sofreram reveses.
A grande estratégia de contornar a União Européia por meio da Otan perdeu força. Washington optou também por apoiar a negociação dos europeus com relação ao Irã.
Essas decisões são atribuídas pessoalmente ao presidente Bush. "Ele engrandeceu seu cargo", constata o democrata Anthony Blinken. "Está bem mais à vontade para tratar dessas questões."
Apesar disso, as "pombas" não assumiram o poder em Washington. "Os "neocons" estão em ponto morto, mas não houve marcha à ré", resume Blinken.
Vários deles continuam a ocupar cargos-chaves, como o conselheiro de segurança nacional Stephen Hadley ou o antigo embaixador na Turquia, Eric Edelman, próximo do vice-presidente Dick Cheney , que tomou o lugar de Douglas Feith no Pentágono.
O inamovível Eliott Abrams, que há 20 anos foi questionado sobre o Irangate (venda secreta de armas ao Irã destinadas a financiar os combatentes anti-sandinistas na Nicarágua), hoje, no Conselho de Segurança Nacional, é o encarregado de facilitar a democratização do Oriente Médio. Se Rumsfeld está "na surdina", Dick Cheney, segundo os diplomatas, está "superpoderoso".
Paradoxalmente, os "neocons" parecem estar em refluxo num momento em que suas idéias se difundem da Ucrânia ao Líbano.
"Suas teorias chegaram até o Partido Democrata", chegou a afirmar um observador.
Eles não acreditam num retorno ao pré-11 de Setembro, a uma normalização. "Estamos de volta ao 10 de setembro, à situação de esperar que nossos inimigos nos despertem de nosso torpor satisfeito", escreveu numa tribuna, no início deste mês, Michael Ledeen, líder dos partidários da linha dura com relação ao Irã.
A impressão que se tem é que os neoconservadores estão roendo os freios que os detêm. É o caso de Bill Kristol, um de seus líderes, para quem George W. Bush está perdendo tempo com a reforma da previdência, sendo que sua missão está longe de concluída. "O presidente ainda tem muito o que fazer para o Oriente Médio e para o mundo em geral nos próximos três anos e meio", escreveu Kristol no "The Weekly Standard".
Aguarda-se a hora da verdade na questão do Irã. Na última semana, a Alemanha, a França e o Reino Unido enviaram uma carta a Teerã usando termos duros e ameaçando levar o problema ao Conselho de Segurança da ONU caso o país não abra mão de seu programa nuclear. Washington endossou.
"Estamos nos aproximando de um bloqueio", explica Anthony Blinken. "Alguns democratas dirão que precisamos ser mais concretos com relação ao que podemos oferecer ao Irã. Outros preferem pedir aos europeus que nos acompanhem."
No outro campo, a constatação é a mesma. "Está se preparando uma crise em torno do Irã",diz um neoconservador. "Será preciso que os europeus decidam se preferem atribuir a culpa ao Irã ou a nós, os EUA."
Os neoconservadores estão convencidos de que, com relação a esse ponto, Condoleezza Rice está de seu lado.


Tradução de Clara Allain

Com agências internacionais


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