São Paulo, sábado, 15 de junho de 2002

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RELIGIÃO

Bispos decidiram que padres envolvidos em abusos serão proibidos de ter contato direto com integrantes da paróquia

Igreja dos EUA não vai expulsar pedófilos

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

Em decisão histórica e inédita, os bispos católicos norte-americanos reunidos em Dallas, no Texas, aprovaram no fim da tarde de ontem a chamada política de "tolerância zero", segundo a qual padres que cometeram e cometerem abuso sexual de menores serão impedidos de exercer suas funções, sem que, contudo, sejam expulsos da igreja.
O documento, aprovado por 239 votos a favor e 13 contra, avança em relação à proposta anterior, que permitia a manutenção nas funções de religiosos que tivessem sido acusados de apenas um crime, mas fica aquém do que pediam as vítimas, que era a expulsão imediata de todos os acusados.
Segundo a nova política, batizada de "Plano de Proteção das Crianças e dos Jovens", os padres em questão serão proibidos de ter qualquer contato direto com os integrantes da paróquia, como celebrar missas, ensinar nas escolas e mesmo servir refeições aos necessitados, mas poderão continuar realizando atividades de bastidores na igreja.
"De hoje em diante, ninguém que tenha reconhecidamente abusado de uma criança vai trabalhar na Igreja Católica", disse Wilton Gregory, presidente da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA. "Nós nos desculpamos por nossa tragicamente lenta resposta em reconhecer este horror que é o abuso de menores."

Vaticano
A decisão dos bispos sai no meio da maior crise da história da Igreja Católica nos EUA. Há hoje no país cerca de 300 processos correndo nos tribunais contra padres (por pedofilia) ou dioceses (por omissão).
Desde janeiro, pelo menos 150 padres e quatro bispos renunciaram sob acusações de abuso sexual de menores; daqueles, dois se suicidaram e um foi assassinado por uma suposta vítima.
O documento recebe agora a chancela da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA e segue para o Vaticano, onde será examinado pela Santa Sé e pelo papa João Paulo 2º, que pode vetar partes ou o texto inteiro. É mais provável que a primeira hipótese venha a acontecer.
Desde que a conferência apresentou o esboço do documento, há algumas semanas, o líder religioso vinha evitando comentar as propostas.
Fontes ligadas ao Vaticano afirmam, no entanto, que a Santa Sé vê com reservas o caráter retroativo da proposta e o fato de que a decisão de retirar o padre do convívio público depende apenas do desejo do bispo, e não de instâncias superiores.
Ontem, João Paulo 2º mandou mais sinais nessa direção. Ao comentar a reunião dos bispos, antes do fim da votação, afirmou somente que a Igreja Católica dos EUA deveria escolher melhor seus padres daqui para a frente. Uma fonte ligada ao papa, que falou ao "National Catholic Reporter" na condição de anonimato, disse: "A "tolerância zero" vai enfrentar tempos difíceis aqui".
Oficialmente, um porta-voz do Vaticano afirmou que a Santa Sé só iria se manifestar sobre a votação depois de receber o documento americano.

"Tolerância um"
Por ter acontecido sob forte pressão da opinião pública e ter contado com depoimentos emocionados de vítimas durante o encontro, a reunião dos bispos deu sinais de que a facção que defendia a expulsão pura e simples de padres acusados acabaria vencendo. Não foi o que aconteceu.
Alguns militantes da Rede de Sobreviventes dos Abusados por Padres (Snap, na sigla em inglês), principal ONG que reúne vítimas de abusos sexuais, já estavam rebatizando o documento sarcasticamente de "tolerância um".
"Isso é o mesmo que chegar para um assassino urbano e dizer: "Agora, você vai ser obrigado a viver no campo'", afirmou Mark Serrano, um dos diretores da Snap e ele próprio vítima de pedofilia.
"Os padres vão achar outras crianças para atacar", disse.
Os religiosos envolvidos na votação tentavam minimizar a tibieza do documento final. "É preciso mostrar compaixão cristã em relação aos padres que erraram", disse o cardeal Anthony Bevilacqua, da Filadélfia. "Nós os chamamos de filhos, então precisamos ter a mesma compaixão de pais com os seus erros."



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