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São Paulo, domingo, 15 de junho de 2003

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CONTINENTE ESQUECIDO

Em quatro anos de conflito, mortos chegam a 3 milhões apesar de acordo de paz; estupros explodem

UE teme genocídio na guerra civil do Congo

DA REDAÇÃO

Na República Democrática do Congo, no conflito conhecido como "a guerra mundial africana" devido ao envolvimento dos países vizinhos, organizações de direitos humanos calculam que até 3 milhões de pessoas tenham morrido nos últimos quatro anos. Os casos de estupro, que passou a ser usado pelas facções em guerra como uma arma de intimidação e controle, são incontáveis e crescentes. E há ainda, segundo refugiados, casos de canibalismo entre tribos rivais.
Prevendo um genocídio iminente após a escalada dos conflitos em Bunia (no noroeste do país, perto da fronteira com a Uganda), a União Européia decidiu enviar uma força multinacional de 1.400 homens, que ficará na cidade até setembro. Cerca de 400 soldados franceses já chegaram à cidade. Ontem, pela primeira vez, eles entraram em ação, respondendo a fogo rebelde.
O governo em Kinshasa havia enviado 600 policiais à região, mas quase 500 deles fugiram nos últimos dias. Já a ONU, que mantém uma missão de paz na região, a Monuc, não tem mandato para deter os confrontos.
No último mês, quando a situação se intensificou após a retirada de cerca de 6.000 soldados de Uganda em obediência a um acordo de paz com o governo congolês, cerca de 500 pessoas foram mortas em confrontos entre as tribos Lendu e Hema. Desde 1999, o saldo chega a 50 mil. Outras dezenas de milhares de pessoas foram forçadas a deixar suas casas e fugiram da região. Dos que ficaram, 15 mil se refugiaram nos subsolos de dois prédios da ONU.
A tropa européia -que reúne soldados de dez países- ficará restrita a Bunia, mas a expectativa é que a presença militar européia tenha efeito sobre toda a região de Ituri, uma das mais violentas do país devido a disputas por sua riqueza em recursos naturais, sobretudo em ouro.
Entretanto o enviado especial da UE à região, Aldo Ajello, apontou uma dificuldade para ação das tropas de paz. Segundo ele, cerca de 30% das milícias em confronto em Bunia são formadas por crianças, muitas delas dopadas, sob efeito de drogas e álcool.

Estupros em série
Outro rescaldo sinistro da proliferação dos combates e do número de tropas e milícias envolvidas é a disparada nos casos de estupros entre as congolesas.
O jornal "The New York Times" publicou, nesta semana, uma reportagem sobre o Centro Alame, na cidade de Bukavu, que atende a cerca de 20 vítimas de estupro por semana. A prática do crime é facilitada pelas longas distâncias percorridas pelas congolesas em áreas ermas, dada a distância entre casas, lavouras e centros comerciais, e pela impunidade.
Segundo Mathilde Mahindo, diretora do centro, a idade das vítimas varia entre 17 e 48 anos. Mas há casos de crianças e de mulheres de até 80 anos estupradas, muitas delas recorrentemente, ou por múltiplos agressores.
O trabalho do centro também é dificultado pelo fato de o sexo ser um tabu na sociedade congolesa.
"O estupro não tem lugar na nossa cultura", disse Mahindo ao "Times". "Mas mesmo que todos queiram fechar os olhos, temos de fazer um escândalo", diz ela.
"[O estupro] é uma ferramenta efetiva de terror, de assédio, de intimidação da população, que mantém as pessoas se mudando [de um lugar para outro]", disse.

Histórico de violência
Ex-colônia belga, o Congo foi palco de um golpe do Exército apenas um ano após declarar independência, em 1960. Em 1965, o general Joseph Mobutu tomou o poder e mudou o nome do país para Zaire, governando-o durante 32 anos.
Em 1997, Mobutu foi deposto com ajuda de tropas de Ruanda. Kinshasa foi tomada pelos rebeldes, que instalaram no governo o presidente Laurent Kabila e renomearam o país para República Democrática do Congo. Kabila, porém, rompeu com alguns aliados, o que gerou novas tensões.
Em agosto 1998, eclodiu a atual guerra civil, quando Ruanda e Uganda enviaram soldados para auxiliar os rebeldes que lutavam contra Kabila. Já Zimbábue, Angola e Namíbia enviaram tropas em apoio ao governo.
Em 16 de janeiro de 2001, Kabila foi assassinado pelas forças rebeldes. Dez dias depois, seu filho Joseph, 30, foi nomeado presidente.
Em outubro de 2002, Kabila assinou um acordo de paz com as facções rebeldes para criar um governo de unidade nacional.
Os conflitos étnicos regionais, entretanto, persistiram.


Com agências internacionais

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