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São Paulo, domingo, 15 de junho de 2003

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CONTINENTE ESQUECIDO

Para Jackie Cilliers, o Conselho de Segurança da ONU só age na África segundo suas prioridades

Analista africano critica "moral seletiva"

PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM FORTALEZA

Os países africanos vêm se envolvendo mais na busca de soluções para conflitos e crises regionais, mas o envolvimento da comunidade internacional é fundamental, afirma Jackie Cilliers, diretor-executivo do Instituto de Estudos de Segurança da África, com sede na África do Sul.
"Há um limite claro para a capacidade africana de promover a paz. A África está fazendo um grande esforço e engajamento em prol da paz, mas não há dúvidas de que o envolvimento da comunidade internacional é fundamental", diz Cilliers, 47.

Folha - Por que o governo de Robert Mugabe intensificou a repressão à oposição no Zimbábue?
Jack Cilliers -
A economia zimbabuana está implodindo. A situação é realmente crítica. Eles não têm dinheiro, petróleo nem comida suficiente. E não podem fazer empréstimos para comprar petróleo. A crise econômica está agravando a crise política.

Folha - Como a ONU, a Europa e os EUA devem lidar com Mugabe?
Cilliers -
As sanções e o isolamento de Mugabe são uma resposta adequada. O problema na relação com o Zimbábue e com a África em geral, no entanto, é que a Europa e os EUA vêm adotando uma política de moralidade seletiva. Elaboram uma estratégia apropriada para lidar com o governo do Zimbábue, mas não agem quando se trata de países considerados amigos.

Folha - Qual é o papel da África do Sul na mediação de conflitos e crises como a que atinge o Zimbábue?
Cilliers -
No caso do Zimbábue, a África do Sul devia ter tomado uma atitude decisiva, e isso não ocorreu. As opções têm sido na linha de solidariedade política. A África precisa de um novo quadro de líderes que sigam os princípios de democracia e boa governança. Atualmente, os líderes africanos protegem uns aos outros sem levar em consideração a natureza do governo.
Zimbábue é sem dúvida o principal desafio da política externa da África do Sul, e é lamentável que ela não esteja liderando a mediação dessa crise.

Folha - Há alguma iniciativa regional para tentar resolver essa e outras crises africanas?
Cilliers -
Há muitas negociações e esforços diplomáticos acontecendo. Por exemplo, o Quênia tenta ajudar a melhorar a situação no Sudão e na Somália. O problema é que a maioria dos países africanos não tem condições de colaborar significativamente.
São muito poucos os países que contribuem com as missões de paz e invariavelmente precisam da ajuda da comunidade internacional. Há um limite claro para a capacidade africana de promover a paz. A África está promovendo um grande esforço e engajamento em prol da paz, mas não há dúvidas de que o envolvimento da comunidade internacional é fundamental.

Folha - A crise na Libéria, que se agravou, pode prejudicar a estabilidade de outros países africanos?
Cilliers -
Charles Taylor é um homem que desestabilizou grandes áreas na região. Seus mercenários atuam em vários países. A condenação de Taylor [indiciado pela ONU por crimes de guerra em Serra Leoa] é um primeiro passo na direção da paz.
Há uma pressão considerável na região para que a situação se resolva, mas uma solução séria não pode permitir acordos com pessoas como Taylor. Ele não pode fazer parte da mesa de negociações. A comunidade internacional precisa agir para livrar a região desse criminoso.

Folha - O sr. defende uma ação maior da comunidade internacional. Por que isso não vem acontecendo na Libéria? É a moralidade seletiva a que o sr. se referiu?
Cilliers -
Os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU agem de acordo com suas prioridades. Por isso, autorizaram uma missão de paz de 50 pessoas na Costa do Marfim, embora o nível de destruição e de derramamento de sangue seja maior do que o visto em um país como o Iraque. É preciso forçar o Conselho de Segurança a se preocupar com a África porque até agora ele vem fazendo muito pouco. O CS deveria investir recursos onde há problemas, não onde estão seus interesses. Como se sabe, a comunidade internacional não considera a África prioritária.


Paulo Daniel Farah é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

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