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São Paulo, domingo, 15 de junho de 2003

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PAZ SOB ATAQUE

Fomentado pelos israelenses como contrapeso à OLP, o grupo se torna a linha de frente da Intifada "armada"

Hamas se torna o Frankenstein de Israel

HARVEY MORRIS
DO ""FINANCIAL TIMES"

Nas vielas sujas e de muros pichados dos campos de refugiados da faixa de Gaza, quem manda é o Hamas. Israel declarou guerra ao Harakat al Muqawama al Islamiia (movimento da resistência islâmica). Com isso, declarou guerra ao movimento que cresce mais rapidamente nos territórios palestinos.
O Hamas está à frente da Intifada ""armada", que, segundo o primeiro-ministro da Autoridade Nacional Palestina, Abu Mazen, conduziu os palestinos para um beco sem saída de violência respondida por mais violência. Foi o Hamas quem forneceu muitos dos homens-bomba cujos retratos cobrem muros na Cisjordânia e na faixa de Gaza e as paredes dos quartos de jovens que os têm como ídolos.
Diante da indignidade da ocupação, o Hamas vem oferecendo à sua base popular impotente a satisfação sombria de retaliar. Ao alvejar líderes do Hamas, nesta semana, o governo de Ariel Sharon se propôs a esmagar um movimento que não conseguiu extinguir durante os 32 meses do levante palestino.

Perto de um acordo
A rodada mais recente do conflito já deixou dezenas de mortos e de feridos, desde que a cúpula de Ácaba, na quarta-feira passada, suscitou esperanças de um avanço real em direção à paz no Oriente Médio.
O Hamas nunca aderiu ao plano de paz proposto pelos EUA. Diferentemente da opinião palestina mais geral, o Hamas jamais reconheceu o direito de existência de Israel.
No entanto, nos dias que antecederam a cúpula de Ácaba, na qual Mazen e Sharon deveriam declarar sua adesão ao plano de paz, o Hamas esteve a ponto de ceder diante do apelo por um cessar-fogo lançado pelo premiê palestino. Em troca, Abu Mazen ofereceu uma parceria política com um movimento que, desde seu nascimento, durante a primeira Intifada (no final dos anos 80), sempre funcionou em oposição à dominante Organização para a Libertação da Palestina, de Iasser Arafat.
O que começou há uma década e meia como movimento social e assistencial dedicado à islamização da sociedade palestina se transformou num movimento terrorista.

Frankenstein
O Hamas é o Frankenstein de Israel. Ele foi fomentado nos anos 80 como contrapeso à influência da OLP e hoje representa a ameaça mais direta à vida dos israelenses comuns. Hoje, ambos os lados negam o significado de seu vínculo anterior.
""O Hamas tem um problema", diz o vice-ministro palestino de Assuntos Civis, Sufian Abu Zaida. ""Seus líderes sentem que estão numa encruzilhada, e está acontecendo uma grande discussão interna sobre o rumo que o movimento deve seguir."
Abu Mazen ofereceu ao Hamas um caminho de volta à legitimidade. Falando como ""irmão palestino", apelou a seus líderes para que dessem uma chance à sua estratégia de paz. Mas a iniciativa foi atrapalhada. Na declaração que Mazen fez em Ácaba, submetida à aprovação prévia dos EUA, o premiê palestino fez o que o Hamas interpretou como uma condenação unilateral da violência palestina. Aos olhos da poderosa liderança externa do movimento islâmico, ele falhou ao deixar de mencionar a eterna exigência palestina de que os refugiados tenham o direito de retornar a seus lares no que hoje é Israel.
""Ele cometeu um grande erro em Ácaba", disse Nasser Abdel Fateh Abu Zaida, responsável pelo arquivo dos refugiados no Hamas. ""Para o homem da rua palestino, ele deu uma impressão mais de americano ou israelense do que de palestino. Para mim, o conflito verdadeiro ainda não começou. Será mais duro ainda no futuro."
É um conflito que, inevitavelmente, ameaça o governo de Mazen, apesar dos esforços deste para trilhar um caminho intermediário. ""O governo não é mediador entre o Hamas e Israel", disse o ministro da Cultura palestino, Ziad Abu-Amr.

Culpa de quem?
Na violência que voltou a assolar o Oriente Médio, cada lado atribui ao outro a culpa pela escalada mais recente. Ela começou com a morte de dois militantes do Hamas alvejados por Israel no dia seguinte à cúpula de Ácaba? Ou terá o culpado sido o Hamas, com o ataque da semana passada, na faixa de Gaza, que deixou quatro soldados israelenses mortos?
""Se alguém ataca sua casa, você a defende", diz um dos líderes do Hamas, Ismail Abu Shanab. ""Por que a comunidade internacional não ordena àqueles que invadiram minha casa que saiam? Se Sharon deixar nosso território, não teremos interesse algum em ir atrás dele."
"O Hamas vai reagir, porque nós não ficamos parados quando nosso povo é atacado. Mas os israelenses não dão ouvidos à voz da sabedoria", afirmou Shanab.


Tradução de Clara Allain

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