São Paulo, terça-feira, 15 de junho de 2004

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JUSTIÇA

Relatório anual acusa os brasileiros de leniência, mas elogia esforço para atingir padrão mínimo de controle desse crime

Brasil não pune tráfico humano, dizem EUA

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

O Departamento de Estado americano acusou ontem o Brasil de ser leniente com os criminosos envolvidos com o tráfico de pessoas no país e para outros "mercados" da América Latina, da Europa e da América do Norte.
Em seu "Relatório sobre Tráfico de Pessoas - 2004", o órgão afirma que o Brasil "não atende aos padrões mínimos para a eliminação do tráfico humano" e diz que "traficantes no país raramente são presos ou punidos por seus crimes".
Os EUA produzem esses relatórios há quatro anos, por exigência do Congresso dos EUA. O documento divulgado ontem avaliou a situação de 140 países em 2003.
Dez países, incluindo Venezuela, Cuba e Equador, foram colocados na categoria mais baixa (chamada "Tier 3") e agora são passíveis de sanções da parte dos EUA. A punição pode incluir o corte de toda a ajuda econômica não relacionada a comércio e programas humanitários.
O Brasil, na categoria "Tier 2", está, segundo o relatório, ""promovendo esforços significativos para atingir os padrões" de controle do tráfico de pessoas.
O relatório cita uma série de medidas e campanhas contra o trabalho infantil e o turismo sexual no Brasil, mas é taxativo ao afirmar que não há punição aos criminosos envolvidos com a atividade.
O tráfico de pessoas é, segundo a ONU, a terceira atividade mais rentável no mundo do crime organizado, atrás apenas do tráfico de drogas e do de armas.
O relatório estima que 75 mil mulheres e adolescentes brasileiras, "muitas delas vítimas do tráfico humano", atuem em redes de prostituição na Europa. Outras 5.000 estão em países da América Latina.
Muitas das brasileiras, assim como as colombianas, são enviadas à Europa via Venezuela, onde não há, segundo o documento, leis ou força policial especializada em inibir o tráfico de pessoas.
O relatório estima também que cerca de 25 mil brasileiros -geralmente recrutados em grandes cidades- sejam vítimas de trabalhos forçados no campo. Segundo o órgão, o Brasil é também o destino de "escravos importados" da China e da Bolívia.
"Apesar dos progressos nas leis brasileiras, o país ainda precisa produzir condenações de criminosos. Todos os esforços estão incompletos sem a aplicação mais dura da lei", diz o documento.
"O presidente Lula declarou em diversas ocasiões que o combate ao tráfico [humano] é uma prioridade nacional, mas muito ainda precisa ser feito."
O relatório afirma que entre 50 e 100 traficantes de trabalhadores escravos foram processados em 2003 no Brasil. "Muitos desses processos não chegaram a nenhuma conclusão. Somente alguns acusados foram condenados, mas todos ainda continuam em liberdade", diz o documento.
O Departamento de Estado também criticou a estrutura que o Brasil mantém fora do país para auxiliar vítimas do tráfico internacional de pessoas. "O governo [brasileiro] falhou no desenvolvimento de uma política agressiva para ajudar essas vítimas, muitas delas associadas à exploração sexual."
Em números gerais, o relatório afirma que entre 600 mil e 800 mil homens, mulheres e crianças são traficados internacionalmente todos os anos -e os números vêm aumentando anualmente. Cerca de 80% das vítimas são mulheres, e 70% delas acabam usadas em atividades ligadas à prostituição.
Na apresentação do relatório, o secretário de Estado americano, Colin Powell, chegou a associar o combate ao tráfico de pessoas à guerra dos EUA contra o terror.
Sem explicitar quais seriam os mecanismos utilizados, Powell afirmou que as redes de tráfico humano podem acabar financiando organizações terroristas internacionais.


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