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ORIENTE MÉDIO
Uma das alas quer boicotar o pleito, enquanto a outra vê no voto o modo de mostrar seu descontentamento
Reformistas do Irã racham antes de eleição presidencial
NEIL MACFARQUHAR
DO "NEW YORK TIMES", EM TEERÃ
Com só alguns dias restando na
curta campanha presidencial iraniana, o movimento reformista se
vê diante de uma encruzilhada:
votar ou boicotar o pleito?
O movimento reformista surgiu
com força depois do surpreendente triunfo do presidente Mohammad Khatami na eleição de
1997. Depois que ele derrotou o
candidato dos aiatolás, aumentaram as esperanças de que se criasse uma era de maior liberdade política e social. Mas a linha dura religiosa manteve o controle sobre a
poderosa polícia, o Judiciário e os
serviços secretos, reprimiu as manifestações, forçou o fechamento
dos jornais mais claramente oposicionistas e desqualificou candidatos reformistas em eleições.
Agora o movimento reformista
está rachado. Uma facção deseja
que o povo vote, para que as vozes
que exigem mudanças se façam
ouvir. Outra diz que essa abordagem resultou em terrível fracasso.
Argumenta que só um boicote
causará embaraço aos líderes religiosos que exercem poder quase
absoluto sobre os funcionários
eleitos, forçando-os a relaxar seu
controle sobre o sistema político.
Alguns dos políticos que cercam Khatami argumentam que
ele criou diálogo político em grau
suficiente para que possam continuar trabalhando, de dentro do
sistema, para torná-lo mais livre.
Mas muitos outros iranianos
-professores universitários, estudantes e alguns políticos-
consideram a idéia risível. Demonstram amargura com o fracasso de Khatami em usar o
imenso apoio popular recebido
nas urnas como instrumento de
pressão a fim de obter liberdades
civis. A facção está mal organizada e admite que não tem estratégia real ou uma agenda clara, já
que deseja a mudança, mas não
tem idéia de como obtê-la.
"Há um impasse no processo de
mudança pacífica, e por isso as
pessoas estão indiferentes", disse
Hermidas Davoud Bavand, professor da Universidade Alameh,
em Teerã. "A única opção delas é
a resistência passiva. É um voto de
desconfiança no sistema."
A preocupação geral com as
eleições foi eclipsada em 12 de junho por explosões pequenas mas
mortíferas em Teerã e na cidade
de Ahvaz e por mais dois atentados insignificantes em Zahedan,
no sudeste do país. Diversos suspeitos dos atentados em Ahvaz
foram detidos, de acordo com o
Ministério da Inteligência, mas
não existe conexão imediata entre
o pleito marcado para 17 de junho
e a violência. Há quem especule
que uma facção ou outra possa estar tentando enervar os eleitores.
A voz mais ruidosa e influente
no pedido por um boicote à eleição vem sendo a de Akbar Ganji,
um ativista e escritor preso por
expor o assassinato de dissidentes
por esquadrões da morte comandados pelo governo, nos anos 90.
Da prisão, Ganji afirmou que os
direitos civis básicos inexistem no
Irã porque isso obstruiria o poder
absoluto do aiatolá Ali Khamenei,
o líder supremo. Ganji instou os
iranianos a não votar, para sinalizar sua rejeição a um sistema que
concede a um indivíduo poderes
abrangentes sobre as Forças Armadas, o Judiciário, os órgãos
consultivos importantes e a mídia
controlada pelo Estado.
Desde a Revolução Islâmica
(1979), os líderes religiosos usaram o comparecimento de números elevados de iranianos a eventos para sinalizar que existe apoio
popular ao governo religioso. O
comparecimento às orações comunais vem caindo, mas a participação nas eleições presidenciais
se manteve elevada.
Na última disputa, em 2001, o
comparecimento foi estimado em
68%, ante os 90% de 1997, quando
Khatami chegou ao poder com
70% dos votos. Em ambos os casos, os números foram engrossados pelos jovens, mobilizados pela esperança de que Khatami viesse a instituir reformas.
Professores universitários, políticos e diplomatas estrangeiros
predizem que o comparecimento
neste ano será de 30% a cerca de
60%, com números especialmente baixos nas grandes cidades.
Ainda que os religiosos devam
reter o poder mesmo sem apoio
popular, um comparecimento
elevado reforçaria sua posição em
muitas frentes, das negociações
com o Ocidente sobre o programa
nuclear iraniano a rebater as
ameaças veladas do governo Bush
sobre uma "mudança de regime".
Temporariamente, pelo menos,
um boicote também ajudaria os
candidatos da linha dura. Afinal,
os que realmente acreditam na
Revolução Islâmica, bem organizados e representando cerca de
20% da população, influenciariam desproporcionalmente os
resultados das urnas.
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