São Paulo, quarta-feira, 15 de junho de 2005

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ORIENTE MÉDIO

Uma das alas quer boicotar o pleito, enquanto a outra vê no voto o modo de mostrar seu descontentamento

Reformistas do Irã racham antes de eleição presidencial

NEIL MACFARQUHAR
DO "NEW YORK TIMES", EM TEERÃ

Com só alguns dias restando na curta campanha presidencial iraniana, o movimento reformista se vê diante de uma encruzilhada: votar ou boicotar o pleito?
O movimento reformista surgiu com força depois do surpreendente triunfo do presidente Mohammad Khatami na eleição de 1997. Depois que ele derrotou o candidato dos aiatolás, aumentaram as esperanças de que se criasse uma era de maior liberdade política e social. Mas a linha dura religiosa manteve o controle sobre a poderosa polícia, o Judiciário e os serviços secretos, reprimiu as manifestações, forçou o fechamento dos jornais mais claramente oposicionistas e desqualificou candidatos reformistas em eleições.
Agora o movimento reformista está rachado. Uma facção deseja que o povo vote, para que as vozes que exigem mudanças se façam ouvir. Outra diz que essa abordagem resultou em terrível fracasso. Argumenta que só um boicote causará embaraço aos líderes religiosos que exercem poder quase absoluto sobre os funcionários eleitos, forçando-os a relaxar seu controle sobre o sistema político.
Alguns dos políticos que cercam Khatami argumentam que ele criou diálogo político em grau suficiente para que possam continuar trabalhando, de dentro do sistema, para torná-lo mais livre. Mas muitos outros iranianos -professores universitários, estudantes e alguns políticos- consideram a idéia risível. Demonstram amargura com o fracasso de Khatami em usar o imenso apoio popular recebido nas urnas como instrumento de pressão a fim de obter liberdades civis. A facção está mal organizada e admite que não tem estratégia real ou uma agenda clara, já que deseja a mudança, mas não tem idéia de como obtê-la.
"Há um impasse no processo de mudança pacífica, e por isso as pessoas estão indiferentes", disse Hermidas Davoud Bavand, professor da Universidade Alameh, em Teerã. "A única opção delas é a resistência passiva. É um voto de desconfiança no sistema."
A preocupação geral com as eleições foi eclipsada em 12 de junho por explosões pequenas mas mortíferas em Teerã e na cidade de Ahvaz e por mais dois atentados insignificantes em Zahedan, no sudeste do país. Diversos suspeitos dos atentados em Ahvaz foram detidos, de acordo com o Ministério da Inteligência, mas não existe conexão imediata entre o pleito marcado para 17 de junho e a violência. Há quem especule que uma facção ou outra possa estar tentando enervar os eleitores.
A voz mais ruidosa e influente no pedido por um boicote à eleição vem sendo a de Akbar Ganji, um ativista e escritor preso por expor o assassinato de dissidentes por esquadrões da morte comandados pelo governo, nos anos 90.
Da prisão, Ganji afirmou que os direitos civis básicos inexistem no Irã porque isso obstruiria o poder absoluto do aiatolá Ali Khamenei, o líder supremo. Ganji instou os iranianos a não votar, para sinalizar sua rejeição a um sistema que concede a um indivíduo poderes abrangentes sobre as Forças Armadas, o Judiciário, os órgãos consultivos importantes e a mídia controlada pelo Estado.
Desde a Revolução Islâmica (1979), os líderes religiosos usaram o comparecimento de números elevados de iranianos a eventos para sinalizar que existe apoio popular ao governo religioso. O comparecimento às orações comunais vem caindo, mas a participação nas eleições presidenciais se manteve elevada.
Na última disputa, em 2001, o comparecimento foi estimado em 68%, ante os 90% de 1997, quando Khatami chegou ao poder com 70% dos votos. Em ambos os casos, os números foram engrossados pelos jovens, mobilizados pela esperança de que Khatami viesse a instituir reformas.
Professores universitários, políticos e diplomatas estrangeiros predizem que o comparecimento neste ano será de 30% a cerca de 60%, com números especialmente baixos nas grandes cidades.
Ainda que os religiosos devam reter o poder mesmo sem apoio popular, um comparecimento elevado reforçaria sua posição em muitas frentes, das negociações com o Ocidente sobre o programa nuclear iraniano a rebater as ameaças veladas do governo Bush sobre uma "mudança de regime".
Temporariamente, pelo menos, um boicote também ajudaria os candidatos da linha dura. Afinal, os que realmente acreditam na Revolução Islâmica, bem organizados e representando cerca de 20% da população, influenciariam desproporcionalmente os resultados das urnas.


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