São Paulo, sexta-feira, 15 de junho de 2007

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Hamas toma o poder em Gaza; presidente dissolve o governo

Grupo islâmico conquista últimos bastiões do rival, deixando territórios palestinos divididos; confrontos matam mais 30

Abbas reage a "crimes" do Hamas decretando estado de emergência, mas radicais dizem que decisões do líder do Fatah "não têm valor"

Wissam Nassar/Associated Press/Maan Images
Militante do Hamas segura cópia do Corão no QG da Segurança Preventiva palestina, em Gaza


MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO

Uma nova realidade política foi estabelecida nos territórios palestinos ontem, depois que o movimento islâmico Hamas assumiu o controle total da faixa de Gaza ao tomar os últimos bastiões militares do grupo laico Fatah. Em seis dias de luta, que deixaram ao menos 110 mortos, o grupo fundamentalista conquistou as principais bases do poder do rival, varrendo de Gaza a facção que dominou a política palestina por quatro décadas.
Após ver, impotente, o avanço do Hamas em Gaza nos últimos dias, o presidente da Autoridade Nacional Palestina e líder do Fatah, Mahmoud Abbas, decretou estado de emergência e dissolveu o governo de união numa reunião de emergência em Ramallah, na Cisjordânia.
O Hamas reagiu com desdém. Sami Abu Zuhri, porta-voz do grupo, disse em Gaza que as decisões do presidente "não têm valor prático". O premiê Ismail Haniyeh, do Hamas, foi à TV para dizer que continuará exercendo o cargo, apesar da dissolução do governo, e negou que o grupo pretenda fundar um Estado em Gaza.
Formado há três meses numa tentativa de deter a violência entre Fatah e Hamas, o gabinete conjunto jamais cumpriu essa missão, naufragando na incapacidade dos dois grupos em dividir o poder, sobretudo no setor de segurança.

Página virada
"O governo de união é página virada", disse à Folha o negociador-chefe do Fatah e um dos principais interlocutores políticos de Abbas, Saeb Erekat, pouco antes do anúncio do presidente (veja entrevista nesta página). Abbas justificou o estado de emergência como uma reação à "guerra criminosa" do Hamas e anunciou a criação de um "governo de salvação".
Membros enfurecidos do Fatah incendiaram escritórios de deputados do Hamas em Ramallah e um ativista do grupo islâmico foi morto a tiros em Nablus, aumentando o temor de que a violência de Gaza se espalhe pela Cisjordânia.
Enquanto isso, o Hamas consolidava o seu poder a bala. No momento em que o presidente anunciava a dissolução do governo, os fundamentalistas já tinham tomado praticamente todas as principais instituições de segurança do Fatah em Gaza, inclusive o quartel-general da Segurança Preventiva, um dos principais eixos do poder do grupo liderado por Abbas.
Só restava o complexo presidencial, que os militantes do Hamas afirmaram ter tomado no fim da noite. "Gaza está totalmente controlada pelo Hamas", contou à Folha o jornalista Hamza el-Attar, da agência de notícias palestina Ramattan. "Os soldados do Fatah fugiram pelo Egito, Israel ou pelo mar. Nas ruas de Gaza só há homens do Hamas."
Pelo menos 30 pessoas morreram ontem, elevando a 111 o número de vítimas em seis dias de confrontos. Após capturar o QG da Segurança Preventiva, os milicianos do Hamas arrastaram os membros do Fatah para fora e os executaram.
Fundada por Mohamed Dahlan, considerado pelo Hamas o inimigo número um nas fileiras do Fatah, a Segurança Preventiva era uma força de elite que recebia ajuda dos Estados Unidos. Sua troca de mãos deve ter especial ressonância na guerra entre os dois grupos.
Sintomaticamente, Dahlan, um dos homens fortes do aparato de segurança do Fatah em Gaza, retornou ontem do Egito, onde convalescia de uma cirurgia, direto para a Cisjordânia.
Entre os membros do Hamas, a vitória era festejada como o sinal de um novo tempo. "A era de justiça e de regime islâmico chegou", disse Islam Shahawan, porta-voz do grupo. Poucos se arriscavam, porém, a dar um palpite sobre o futuro dos territórios palestinos.
"Vejo três cenários possíveis: o Hamas consolidar o poder em Gaza e adotar uma linha pragmática, de diálogo com a comunidade internacional; o grupo manter o extremismo e isolar Gaza ainda mais, aumentando o risco de uma intervenção israelense; ou o Fatah tentar recuperar o poder, o que levará a uma guerra civil", disse à Folha Avraham Sela, especialista em extremismo palestino da Universidade de Jerusalém, atualmente lecionando na Universidade Colgate, nos EUA.

Com agência internacionais


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