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Filha de desaparecida na Argentina cria próprio grupo
Bárbara García ataca militantes da esquerda, cobra abertura dos arquivos e diz que política para direitos humanos é de fachada
ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES
Magra, loira, de cabelos longos, calça jeans justa e branca
sob a bota de cano alto e casaco
com brilhos. Bárbara García
não lembra em nada o protótipo do militante dos direitos humanos argentino -senhoras de
xale e lenço na cabeça ou jovens
e adultos que se vestem como
os hippies dos anos 70.
Mas Bárbara, 41, perdeu um
parente na última ditadura militar argentina (1976-1983). Sua
mãe, a espanhola Rocío, foi
uma das cerca de 30 mil pessoas desaparecidas.
Professora e militante do
Exército Revolucionário do Povo (ERP, grupo trotskista), Rocío foi levada na noite de 13 de
junho de 1976, sob os olhos de
Bárbara, então com oito anos, e
do irmão, Camilo, com três.
Aos 17 anos, Bárbara começou a buscar informações sobre
a mãe, mas foi só há cerca de
dez, já produtora de rádio e televisão, que resolveu se unir a
uma das entidades que reúnem
parentes de desaparecidos.
Escolheu o Hijos (um dos
grupos mais tradicionais, formado por filhos de seqüestrados pelos militares) e logo foi a
uma marcha de 24 de Março,
dia em que se lembram os mortos sob a ditadura.
Acabou se metendo em um
grupo e marchou até encontrar
o seu, caminhando em sentido
oposto. "Eles começaram a gritar para eu sair dali, que estava
marchando no sentido errado.
Junto, havia membros de torcidas organizadas, chamados para fazer número, que começaram a me xingar."
Foi entender depois que o
grupo a que pertencia era o Hijos da linha revolucionária, e
aquele a que se juntou sem querer era de outra linha, a fundadora. "Aí comecei a me questionar por que havia várias linhas,
uma brigada com a outra. Por
que estavam separados se a
causa era uma só?"
A questão a incomoda até hoje, quando virou bandeira dos
governos do ex-presidente
Néstor Kirchner (2003-2007)
e da atual mandatária, Cristina
Kirchner. "Os direitos humanos viraram um negócio. Me
incomoda ver algumas mães e
avós [de desaparecidos] humanizando a figura de Cristina
Kirchner em eventos e questões que não têm nada a ver
com os que desapareceram e
com os direitos humanos", diz
ela. "Os Kirchner conseguiram
acomodar todos os grupos."
Para Bárbara, a política oficial de direitos humanos é de
fachada. "Eles fizeram o que
convinha para a imagem, mas
não o fundamental, que é reabrir os arquivos militares da ditadura. Talvez porque envolvam pessoas que estão andando livres por aí."
Grupo espanhol
Sem querer se apegar a uma
linha ou a um político, há dois
anos Bárbara formou com um
grupo de descendentes de espanhóis seqüestrados pelo regime militar, a Associação Asturiana de Familiares de Desaparecidos, que alega que os espanhóis são duplamente vítimas: do Estado argentino e do
espanhol, por não ter amparado seus cidadãos que viviam na
Argentina durante a ditadura.
"Queremos uma reparação
moral e econômica. Que se reconheçam os mais de 620 espanhóis desaparecidos e que intimem o governo argentino a
abrir os arquivos militares",
afirma Bárbara.
No ano passado, Bárbara foi
chamada para participar do ato
de inauguração do chamado
Muro da Memória, em Buenos
Aires, com a presença do chefe
de governo espanhol, José Luis
Zapatero. Recusou o convite.
"Quero um diálogo com ele,
não me interessava fazer parte
de um ato de um candidato em
plena campanha eleitoral."
Bárbara chegou a fazer um
filme, com financiamento do
governo de Astúrias, contando
sua própria história. Seu irmão,
no entanto, parecia avesso a
buscar o que havia passado com
a mãe. Durante anos, foi um repórter famoso de um programa
de TV. Do nada, largou tudo.
"Ninguém entendia por quê.
Um dia li uma confissão no fotolog dele", conta Bárbara. "Dizia que queria ser famoso para
ver se, de algum lugar, nossa
mãe podia vê-lo, reconhecê-lo e
vir em sua busca. Quando viu
que passavam os anos e ela não
vinha, decidiu abandonar a TV
para nunca mais."
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