São Paulo, domingo, 15 de junho de 2008

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Filha de desaparecida na Argentina cria próprio grupo

Bárbara García ataca militantes da esquerda, cobra abertura dos arquivos e diz que política para direitos humanos é de fachada

ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES

Magra, loira, de cabelos longos, calça jeans justa e branca sob a bota de cano alto e casaco com brilhos. Bárbara García não lembra em nada o protótipo do militante dos direitos humanos argentino -senhoras de xale e lenço na cabeça ou jovens e adultos que se vestem como os hippies dos anos 70.
Mas Bárbara, 41, perdeu um parente na última ditadura militar argentina (1976-1983). Sua mãe, a espanhola Rocío, foi uma das cerca de 30 mil pessoas desaparecidas.
Professora e militante do Exército Revolucionário do Povo (ERP, grupo trotskista), Rocío foi levada na noite de 13 de junho de 1976, sob os olhos de Bárbara, então com oito anos, e do irmão, Camilo, com três.
Aos 17 anos, Bárbara começou a buscar informações sobre a mãe, mas foi só há cerca de dez, já produtora de rádio e televisão, que resolveu se unir a uma das entidades que reúnem parentes de desaparecidos.
Escolheu o Hijos (um dos grupos mais tradicionais, formado por filhos de seqüestrados pelos militares) e logo foi a uma marcha de 24 de Março, dia em que se lembram os mortos sob a ditadura.
Acabou se metendo em um grupo e marchou até encontrar o seu, caminhando em sentido oposto. "Eles começaram a gritar para eu sair dali, que estava marchando no sentido errado. Junto, havia membros de torcidas organizadas, chamados para fazer número, que começaram a me xingar."
Foi entender depois que o grupo a que pertencia era o Hijos da linha revolucionária, e aquele a que se juntou sem querer era de outra linha, a fundadora. "Aí comecei a me questionar por que havia várias linhas, uma brigada com a outra. Por que estavam separados se a causa era uma só?"
A questão a incomoda até hoje, quando virou bandeira dos governos do ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007) e da atual mandatária, Cristina Kirchner. "Os direitos humanos viraram um negócio. Me incomoda ver algumas mães e avós [de desaparecidos] humanizando a figura de Cristina Kirchner em eventos e questões que não têm nada a ver com os que desapareceram e com os direitos humanos", diz ela. "Os Kirchner conseguiram acomodar todos os grupos."
Para Bárbara, a política oficial de direitos humanos é de fachada. "Eles fizeram o que convinha para a imagem, mas não o fundamental, que é reabrir os arquivos militares da ditadura. Talvez porque envolvam pessoas que estão andando livres por aí."

Grupo espanhol
Sem querer se apegar a uma linha ou a um político, há dois anos Bárbara formou com um grupo de descendentes de espanhóis seqüestrados pelo regime militar, a Associação Asturiana de Familiares de Desaparecidos, que alega que os espanhóis são duplamente vítimas: do Estado argentino e do espanhol, por não ter amparado seus cidadãos que viviam na Argentina durante a ditadura.
"Queremos uma reparação moral e econômica. Que se reconheçam os mais de 620 espanhóis desaparecidos e que intimem o governo argentino a abrir os arquivos militares", afirma Bárbara.
No ano passado, Bárbara foi chamada para participar do ato de inauguração do chamado Muro da Memória, em Buenos Aires, com a presença do chefe de governo espanhol, José Luis Zapatero. Recusou o convite. "Quero um diálogo com ele, não me interessava fazer parte de um ato de um candidato em plena campanha eleitoral."
Bárbara chegou a fazer um filme, com financiamento do governo de Astúrias, contando sua própria história. Seu irmão, no entanto, parecia avesso a buscar o que havia passado com a mãe. Durante anos, foi um repórter famoso de um programa de TV. Do nada, largou tudo.
"Ninguém entendia por quê. Um dia li uma confissão no fotolog dele", conta Bárbara. "Dizia que queria ser famoso para ver se, de algum lugar, nossa mãe podia vê-lo, reconhecê-lo e vir em sua busca. Quando viu que passavam os anos e ela não vinha, decidiu abandonar a TV para nunca mais."


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