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Comício afegão tem exaltação ao Taleban
Ex-militante do grupo, Abdul Salam Rocketi concorre à Presidência e diz que Afeganistão quer "paz com justiça islâmica"
"O Taleban hoje não está correto, mas isso não quer dizer que ele não tenha tido importância", diz ele, que não tem chance de se eleger
IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A CABUL
"Viva o islã! Viva o Taleban!".
Taleban? Mas estamos em um
encontro de campanha de um
ex-chefe do Taleban que rejeitou o apelo de seus ex-comandados e participa da eleição
presidencial afegã como candidato. Então, por que esse grito?
"O Taleban hoje não está correto, mas não quer dizer que ele
não tenha tido importância.
Não me envergonho de nada, e
tudo o que o Afeganistão quer é
uma paz baseada na justiça islâmica", diz o candidato.
Trata-se do mulá Abdul Salam Rocketi, 51. Rocketi não é
sobrenome, é um apelido do
tempo em que era conhecido
como o melhor atirador de granadas propelidas por foguete
contra os tanques soviéticos
em seu país -"homem-foguete". Mais: foi comandante militar e integrante do governo do
Taleban (1996-2001).
Sentado em uma cadeira,
Rocketi comandou com ar de
senhor feudal o encontro ontem no Ariana Wedding Hall,
um dos vários salões de casamento que infestam Cabul com
arquitetura cheia de vidros espelhados e decorações kitsch.
Ele critica os atuais militantes do Taleban, dizendo que
eles deveriam participar da política, como ele. Suas chances
de se eleger são nulas, segundo
as pesquisas disponíveis, mas
ele mostra o quão complexa será qualquer tentativa de reconciliação nacional aos olhos do
Ocidente.
"A solução é na base da confiança. Somos todos afegãos
-pashtuns, tadjiques, uzbeques. Não podemos excluir ninguém. Não adianta chamar de
terrorista. Só assim poderemos
pedir para os estrangeiros irem
embora", diz, afirmando que a
instituição de uma versão rígida da sharia (a lei islâmica) seria essencial para o país.
Ao estilo dos comícios brasileiros, líderes de diversas regiões são chamados para discursar. Invariavelmente, são
mulás (sacerdotes muçulmanos) que citam o Corão, recitam poesias alegóricas dos tempos de Maomé e fazem paralelos com a sociedade atual.
O mais estridente, mulá
Omar Ghul, coça a barba pintada com henna tradicional de
sua região, Nangahar, e pede
para falar em pashtun -e não
dari, o dialeto persa dos seus rivais tadjiques. "Todo muçulmano é um mujahid (guerreiro
santo), e mulá Abdul Salam é o
maior deles. Ele irá tirar os estrangeiros daqui", grita.
A plateia de cerca de mil pessoas responde com "Deus é
grande". Os oradores são interrompidos por um mestre de cerimônias, que puxa gritos de
guerra. Perto do fim, é ele que
faz a elegia ao Taleban.
Apenas três oradores no
evento de cerca de duas horas
não são autoridades religiosas.
Um é um universitário, outro é
um menino de dez anos que lê
uma curta mensagem de apoio
a Rocketi em inglês que parece
que foi colocado lá só para satisfazer a meia dúzia de jornalistas ocidentais presentes, e
por fim aparece uma mulher.
Ela ora e pede voto para o
candidato, em menos de três
minutos. Os outros oradores, à
exceção do menino, ficaram de
10 a 15 minutos. "Queremos
mais direitos para elas, só que
dentro do islã", diz Rocketi.
Um homem de cerca de 1,65
m, gordo, forte, com a careca
insinuada sob o turbante e a
barba cerrada, Rocketi foi um
dos vice-ministros do Interior
do Taleban. Crítico de atos
mais bárbaros como a repressão às mulheres e a destruição
das estátuas de Buda no sítio
arqueológico de Bamyian, ele
não era, contudo, um membro
"light" do Taleban.
Era considerado um comandante implacável e violento, diz
o jornalista paquistanês Ramiullah Yusfzai, um dos "papas" da história da região. Subiu tanto na hierarquia do Taleban que uma vez foi recebido
para almoçar pelo convidado
mais famoso do regime, Osama
bin Laden.
"Ele queria que eu fosse
guerrear na Arábia", conta Rocketi. Ele passou nove meses
preso na base americana em
Bagram, perto de Cabul, em
2001. Desde 2005, é deputado
sem partido no Parlamento.
Ele diz "acreditar na política". "Eu apoiei o Taleban porque eles eram a melhor solução. Depois, apoiei [o atual presidente Hamid] Karzai, mas me
decepcionei. Agora, veja, tantos
me apoiam", diz ele, apontando
para o salão.
Um jornalista local comenta
que a plateia só está lá por causa do que vem depois dos discursos: comida (galinha e arroz
com carneiro) grátis, regada a
água e Coca-Cola. "Deus é grande, mas a fome é maior", brinca.
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