São Paulo, sábado, 15 de agosto de 2009

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Comício afegão tem exaltação ao Taleban

Ex-militante do grupo, Abdul Salam Rocketi concorre à Presidência e diz que Afeganistão quer "paz com justiça islâmica"

"O Taleban hoje não está correto, mas isso não quer dizer que ele não tenha tido importância", diz ele, que não tem chance de se eleger


IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A CABUL

"Viva o islã! Viva o Taleban!". Taleban? Mas estamos em um encontro de campanha de um ex-chefe do Taleban que rejeitou o apelo de seus ex-comandados e participa da eleição presidencial afegã como candidato. Então, por que esse grito?
"O Taleban hoje não está correto, mas não quer dizer que ele não tenha tido importância. Não me envergonho de nada, e tudo o que o Afeganistão quer é uma paz baseada na justiça islâmica", diz o candidato.
Trata-se do mulá Abdul Salam Rocketi, 51. Rocketi não é sobrenome, é um apelido do tempo em que era conhecido como o melhor atirador de granadas propelidas por foguete contra os tanques soviéticos em seu país -"homem-foguete". Mais: foi comandante militar e integrante do governo do Taleban (1996-2001).
Sentado em uma cadeira, Rocketi comandou com ar de senhor feudal o encontro ontem no Ariana Wedding Hall, um dos vários salões de casamento que infestam Cabul com arquitetura cheia de vidros espelhados e decorações kitsch.
Ele critica os atuais militantes do Taleban, dizendo que eles deveriam participar da política, como ele. Suas chances de se eleger são nulas, segundo as pesquisas disponíveis, mas ele mostra o quão complexa será qualquer tentativa de reconciliação nacional aos olhos do Ocidente.
"A solução é na base da confiança. Somos todos afegãos -pashtuns, tadjiques, uzbeques. Não podemos excluir ninguém. Não adianta chamar de terrorista. Só assim poderemos pedir para os estrangeiros irem embora", diz, afirmando que a instituição de uma versão rígida da sharia (a lei islâmica) seria essencial para o país.
Ao estilo dos comícios brasileiros, líderes de diversas regiões são chamados para discursar. Invariavelmente, são mulás (sacerdotes muçulmanos) que citam o Corão, recitam poesias alegóricas dos tempos de Maomé e fazem paralelos com a sociedade atual.
O mais estridente, mulá Omar Ghul, coça a barba pintada com henna tradicional de sua região, Nangahar, e pede para falar em pashtun -e não dari, o dialeto persa dos seus rivais tadjiques. "Todo muçulmano é um mujahid (guerreiro santo), e mulá Abdul Salam é o maior deles. Ele irá tirar os estrangeiros daqui", grita.
A plateia de cerca de mil pessoas responde com "Deus é grande". Os oradores são interrompidos por um mestre de cerimônias, que puxa gritos de guerra. Perto do fim, é ele que faz a elegia ao Taleban.
Apenas três oradores no evento de cerca de duas horas não são autoridades religiosas. Um é um universitário, outro é um menino de dez anos que lê uma curta mensagem de apoio a Rocketi em inglês que parece que foi colocado lá só para satisfazer a meia dúzia de jornalistas ocidentais presentes, e por fim aparece uma mulher.
Ela ora e pede voto para o candidato, em menos de três minutos. Os outros oradores, à exceção do menino, ficaram de 10 a 15 minutos. "Queremos mais direitos para elas, só que dentro do islã", diz Rocketi.
Um homem de cerca de 1,65 m, gordo, forte, com a careca insinuada sob o turbante e a barba cerrada, Rocketi foi um dos vice-ministros do Interior do Taleban. Crítico de atos mais bárbaros como a repressão às mulheres e a destruição das estátuas de Buda no sítio arqueológico de Bamyian, ele não era, contudo, um membro "light" do Taleban.
Era considerado um comandante implacável e violento, diz o jornalista paquistanês Ramiullah Yusfzai, um dos "papas" da história da região. Subiu tanto na hierarquia do Taleban que uma vez foi recebido para almoçar pelo convidado mais famoso do regime, Osama bin Laden.
"Ele queria que eu fosse guerrear na Arábia", conta Rocketi. Ele passou nove meses preso na base americana em Bagram, perto de Cabul, em 2001. Desde 2005, é deputado sem partido no Parlamento.
Ele diz "acreditar na política". "Eu apoiei o Taleban porque eles eram a melhor solução. Depois, apoiei [o atual presidente Hamid] Karzai, mas me decepcionei. Agora, veja, tantos me apoiam", diz ele, apontando para o salão.
Um jornalista local comenta que a plateia só está lá por causa do que vem depois dos discursos: comida (galinha e arroz com carneiro) grátis, regada a água e Coca-Cola. "Deus é grande, mas a fome é maior", brinca.


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