São Paulo, quarta-feira, 15 de novembro de 2006

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Kirchner afasta piqueteiro do governo

Jorge D'Elía, subsecretário de Terras, se solidarizou com Irã; demissão enfraquece tropa de choque governista

BRUNO LIMA
DE BUENOS AIRES

O presidente Néstor Kirchner não teve alternativa ontem a não ser demitir o mais polêmico -mas também o mais útil- dos membros de seu governo, o líder piqueteiro Luis D'Elía, que era o subsecretário de Terras, e que, anteontem, saiu em defesa do Irã, dizendo que os EUA e Israel manipulam a Justiça argentina para levar ao rompimento das relações entre os dois países.
O episódio, comemorado pela oposição, que enxerga um enfraquecimento do poder "bélico" de Kirchner sem D'Elía, ocorre após a Justiça argentina determinar a captura internacional de nove iranianos -entre eles o ex-presidente Ali Akbar Rafsanjani (1989-1997).
A ordem, que deu início a uma troca de farpas da Argentina com o Irã, está baseada no suposto envolvimento dos então governantes daquele país e de membros do Hizbollah, grupo xiita do Líbano, no atentado a bomba na sede da Amia (Associação Mutual Israelense Argentina), que matou 85 pessoas em Buenos Aires, em 1994.
As declarações do piqueteiro, que anteontem se reuniu com o principal diplomata iraniano na Argentina, criaram enorme mal-estar para Kirchner com a Justiça e com a comunidade judaica argentina, que defende o rompimento do país com o Irã.
O funcionário apresentou uma carta de renúncia, que foi aceita pela Casa Rosada -mas D'Elía não teve escolha. Disse que mantém "excelente relação" com Kirchner e que se orgulha de ter estado no governo.
"Há vários meses os EUA pressionam pela minha renúncia. É um lobby que eles têm feito e que está baseado na prática do terror sobre a qual podem testemunhar o povo do Afeganistão e os palestinos", disse. "Os EUA e Israel pretendem usar um tema doloroso para a Argentina em função de uma política que ameaça a república islâmica e põe em perigo a humanidade."
A Argentina segue pressionando Teerã por uma manifestação oficial sobre as declarações de um promotor iraniano de que seria pedida, como reação à ordem argentina, a captura internacional do promotor argentino do caso Amia, Alberto Nisman, e do ex-juiz do caso, Juan José Galeano.
Considerado o "piqueteiro oficial", D'Elía tem sido uma das principais armas de Kirchner para atacar adversários.
Defensor da expropriação de terras de estrangeiros, liderou em agosto, como subsecretário, a invasão da propriedade do milionário americano Douglas Tompkins na Província de Corrientes. O governo se aproveitava dos arroubos antiamericanos do funcionário para mostrar que não estava alinhado ao "imperialismo" dos EUA.
O piqueteiro, que tem interlocutores em Cuba, na Venezuela e no PT brasileiro, já havia gerado outras saias justas para o governo. Para analistas, o presidente avaliava que D'Elía vinha se tornando "perigoso" demais.
Maior realizador das "contramarchas" (manifestações que se tornaram rotineiras na Argentina como reação a protestos), D'Elía garantia platéia para qualquer palanque do oficialismo. Soldado leal, tornou-se uma pedra no sapato do ex-presidente Eduardo Duhalde, desafeto de Kirchner, e agia para conter o avanço da popularidade de Juan Carlos Blumberg, engenheiro que teve o filho assassinado e que ganhou visibilidade como crítico do governo.


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