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São Paulo, domingo, 16 de fevereiro de 2003

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Para ex-funcionário de Nixon, presidente americano mente para levar adiante uma guerra "ilegal e injusta"

Guerra igualará Bush a Saddam, diz ativista

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ao atacar o Iraque, o presidente dos EUA, George W. Bush, cometerá o mesmo tipo de agressão protagonizada pela Alemanha de Adolf Hitler e pelo Japão na Segunda Guerra. Não será muito diferente da invasão do Kuait realizada por Saddam Hussein há 12 anos, estopim da Guerra da Golfo.
As opiniões não são de um pacifista francês ou de um ativista muçulmano, mas de um ex-marine americano, que teve papel importante na decisão do ex-presidente Richard Nixon de retirar os EUA do Vietnã na década de 70.
Há pouco mais de 30 anos, Daniel Ellsberg vazou 7.000 páginas de documentos confidenciais do Pentágono, que expuseram argumentos falsos do governo para manter o país na guerra. Na época, era alto funcionário do Departamento de Estado.
Ele traça um paralelo entre Bush e Nixon: "Nos dois casos, o presidente está enganando e mentindo para a nação [..." É uma guerra injusta e ilegal".
Aos 71 anos, Ellsberg mantém-se como ativista aguerrido contra as ações bélicas promovidas pelos EUA. Nos últimos sete anos, dedicou-se ao livro "Segredos - Memórias do Vietnã e os Documentos do Pentágono", lançado em outubro passado, no qual conta a história do vazamento das informações confidenciais.
Leia trechos da entrevista que Ellsberg concedeu à Folha, por telefone, de sua casa na Califórnia.

Folha - O que o sr. achou do discurso de Bush ao Congresso, em que falou sobre o Iraque?
Daniel Ellsberg
- Ele falhou na tentativa de explicar sua guerra, não apresentou provas nem argumentos lógicos. Ele está conclamando o país a apoiá-lo em uma guerra agressiva e injusta. Há um sentido ilegal, no aspecto técnico. Parece a invasão do Kuait feita por Saddam.
É claramente um dos casos de agressão, como os ataques japoneses na Segunda Guerra, ou os ataques de Hitler a Praga, Polônia e Rússia.
Ele [Bush" diz que o desarmamento do Iraque é parte da guerra contra o terrorismo. Se ele pudesse comprovar sua afirmação, haveria justificativa para sua política. Mas ele não fornece nenhuma prova. Ele argumenta também que o Iraque está trabalhando diretamente com a Al Qaeda.

Folha - O sr. acredita nessa associação entre a Al Qaeda e Saddam?
Ellsberg
- Não é que seja implausível, mas ninguém que eu conheça, incluindo a CIA -embora tenham tentado- surgiu com nenhuma prova para sustentar essa hipótese. E há uma razão para acreditar que isso não seja verdade. Há diferenças entre a Al Qaeda e o regime de Saddam. A Al Qaeda é um movimento extremista do fundamentalismo islâmico, e a natureza do regime de Saddam é uma ditadura brutal, secular, o que Osama bin Laden [líder da al Qaeda" despreza.

Folha - Os EUA partirão para a guerra mesmo sem o aval da ONU?
Ellsberg
- Eu acredito que isso seja claramente ilegal, uma verdadeira violação da Carta da ONU. Além disso, uma clara violação do próprio juramento [do presidente americano, ao assumir o poder" de defender as leis do país, que implica respeitar a Carta da ONU. Se o Conselho de Segurança da ONU autorizar, será, mesmo assim, uma inconsequência.

Folha - Que paralelo o sr. traça entre esta guerra e a do Vietnã?
Ellsberg
- O maior paralelo é que nos dois casos o presidente está enganando e mentindo para a nação, em direção a uma guerra sem sentido.

Folha - Quais seriam os interesses americanos por trás desta guerra?
Ellsberg
- Eu acho que, se as pessoas ouvissem os administradores que moldam a política do governo, como Dick Cheney [vice-presidente dos EUA", Donald Rumsfeld [secretário da Defesa", Paul Wolfowitz [subsecretário da Defesa"... Há adjetivos muito difundidos para hegemonia mundial, dominação, e para isso é muito importante controlar as reservas de óleo do Oriente Médio, não somente do Iraque, mas também do Irã, da Arábia Saudita, da região do Mar Cáspio -esse é o instrumento que eles de fato vêem como necessário para controlar o mundo. Eles querem o petróleo. É por isso que eles não vêem com muita urgência o caso da Coréia do Norte; este país sim, representa um perigo real neste momento.

Folha - Quais setores da economia americana seriam beneficiados por essa guerra?
Ellsberg
- Multinacionais do petróleo e a indústria de armas. Mas isso não significa que eu acredite que as corporações de petróleo estejam realmente pressionando [o governo" para a guerra. Embora eu entenda que essas empresas sejam beneficiadas, as incertezas e as condições caóticas na região crescerão com a guerra.

Folha - Há rumores de que muitas pessoas do alto escalão do governo estão contra essa guerra. O sr. acredita nisso?
Ellsberg
- Muitas pessoas têm vazado informações confidenciais porque acreditam que essa seja uma guerra sem sentido.


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