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Grupos enfrentam rachas ideológicos e dúvidas sobre sua capacidade de mudar a opinião pública dos EUA
Divisões marcam pacifismo americano
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
Divisões e dúvidas sobre sua eficácia marcam o crescente movimento pacifista americano -um
conjunto heterogêneo de coalizões formado por grupos marxistas, movimentos antiglobalização, entidades cristãs e líderes judaicos que rejeitam a invasão do
Iraque, mas defendem o direito
de Israel defender-se militarmente do terrorismo palestino.
As divisões ficaram claras na última semana quando um rabino
esquerdista de São Francisco, na
Califórnia, foi proibido por uma
das coalizões de discursar na manifestação contra a guerra prevista para hoje na cidade.
O episódio criou uma polêmica
que, embora confusa, expôs agendas paralelas e visões conflitantes
dentro da parcela da população
americana que se opõe à deposição do ditador do Iraque, Saddam
Hussein, por meio de uma ação
militar liderada pelos EUA e à retórica belicosa do presidente
George W. Bush.
Há alguns dias, o nome do rabino progressista Michael Lerner
foi vetado da lista de oradores da
manifestação em São Francisco
pelo maior grupo antiguerra dos
EUA, o Answer (acrônimo para
Act Now to Stop War & End Racism, ou Aja Agora para Impedir
a Guerra e Acabar com o Racismo). Lerner, um opositor radical
do primeiro-ministro de Israel,
Ariel Sharon, creditou o veto a
uma suposta infiltração anti-semita no grupo.
"Eu não posso chegar a outra
conclusão", afirmou Lerner. "Defendo o direito de Israel existir e
não acho que a repressão aos direitos humanos praticada pelo
governo de Sharon seja a pior do
mundo hoje ou possa ser comparada aos riscos do militarismo no
mundo."
Procurados pela Folha, os líderes do Answer disseram que a exclusão de Lerner não teve relação
com sua posição sobre Israel e
que outros dois líderes da comunidade judaica estavam escalados
como oradores.
Paz x ameaça
A controvérsia soma-se a dúvidas sobre a capacidade do movimento pacifista nos Estados Unidos de convencer a opinião pública do país depois dos atentados de
11 de setembro de 2001.
"Uma coisa é defender a paz
quando o inimigo está do outro
lado do mundo. Outra é ignorar a
ameaça do inimigo quando o governo anuncia, de forma sombria
e periodicamente, sua presença
dentro do próprio território americano", disse à Folha Stephen
Zunes, da Universidade de San
Francisco.
Apesar de as pesquisas mostrarem um crescimento da oposição
à guerra dentro da opinião pública americana, a maioria (seis em
cada dez) ainda admite como necessária uma invasão do Iraque
-embora discorde da urgência
sugerida por Bush.
O clima de pânico nos EUA e o
fato de os atentados de 11 de setembro terem ocorrido em território americano talvez expliquem
os motivos pelos quais as manifestações contra a guerra na Europa sejam maiores e mais vistosas.
"Salada de frutas"
Além disso, Zunes e outros especialistas em movimentos sociais vêem uma justaposição entre
a oposição à guerra contra o Iraque e os movimentos contra a globalização que surgiram na segunda metade da década de 90.
Segundo eles, o caráter "salada
de frutas" do movimento pode
comprometer sua mensagem e
sua credibilidade.
A primeira manifestação contra
a guerra, no dia 29 de setembro
passado, em Washington, foi patrocinada pelo WWP (Workers
World's Party, ou Partido dos
Trabalhadores do Mundo), grupo
descrito pela própria revista de esquerda "The Nation" como "revolucionário-socialista simpático
à abolição da propriedade privada e ao líder norte-coreano Kim
Jong-il".
Apesar das divisões, Zunes e outros especialistas não vêem movimentos pacifistas heterogêneos
como ineficazes, desde que eles
"amadureçam".
"Desde a primeira manifestação, no ano passado, o movimento nos EUA desistiu de se opor ao
capitalismo como fonte de todos
os males do mundo", disse o sociólogo Emilio Viana.
"Eles agora têm sido suficientemente maduros para limitarem o
alvo de suas manifestações à guerra", afirmou.
Segundo Zunes, o movimento
pacifista contra a guerra no Vietnã, na década de 60, também foi
marcado por grupos distintos e
muitas vezes conflitantes. "Com o
crescimento desses movimentos,
é natural que se acomodem sob
um só lema."
Nesse sentido, o professor universitário lembra que já está havendo uma maior colaboração
entre associações distintas -como a Pax Christi (um grupo católico contra a violência), judaicos
(o Jewish Voice for Peace and The
Shalom Center, ou Voz Judaica
pela Paz e o Centro Shalom) e feministas (The Women International League for Peace and Freedom, ou Liga Feminina Internacional pela Paz e pela Liberdade).
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