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São Paulo, domingo, 16 de fevereiro de 2003

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Grupos enfrentam rachas ideológicos e dúvidas sobre sua capacidade de mudar a opinião pública dos EUA

Divisões marcam pacifismo americano

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Divisões e dúvidas sobre sua eficácia marcam o crescente movimento pacifista americano -um conjunto heterogêneo de coalizões formado por grupos marxistas, movimentos antiglobalização, entidades cristãs e líderes judaicos que rejeitam a invasão do Iraque, mas defendem o direito de Israel defender-se militarmente do terrorismo palestino.
As divisões ficaram claras na última semana quando um rabino esquerdista de São Francisco, na Califórnia, foi proibido por uma das coalizões de discursar na manifestação contra a guerra prevista para hoje na cidade.
O episódio criou uma polêmica que, embora confusa, expôs agendas paralelas e visões conflitantes dentro da parcela da população americana que se opõe à deposição do ditador do Iraque, Saddam Hussein, por meio de uma ação militar liderada pelos EUA e à retórica belicosa do presidente George W. Bush.
Há alguns dias, o nome do rabino progressista Michael Lerner foi vetado da lista de oradores da manifestação em São Francisco pelo maior grupo antiguerra dos EUA, o Answer (acrônimo para Act Now to Stop War & End Racism, ou Aja Agora para Impedir a Guerra e Acabar com o Racismo). Lerner, um opositor radical do primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, creditou o veto a uma suposta infiltração anti-semita no grupo.
"Eu não posso chegar a outra conclusão", afirmou Lerner. "Defendo o direito de Israel existir e não acho que a repressão aos direitos humanos praticada pelo governo de Sharon seja a pior do mundo hoje ou possa ser comparada aos riscos do militarismo no mundo."
Procurados pela Folha, os líderes do Answer disseram que a exclusão de Lerner não teve relação com sua posição sobre Israel e que outros dois líderes da comunidade judaica estavam escalados como oradores.

Paz x ameaça
A controvérsia soma-se a dúvidas sobre a capacidade do movimento pacifista nos Estados Unidos de convencer a opinião pública do país depois dos atentados de 11 de setembro de 2001.
"Uma coisa é defender a paz quando o inimigo está do outro lado do mundo. Outra é ignorar a ameaça do inimigo quando o governo anuncia, de forma sombria e periodicamente, sua presença dentro do próprio território americano", disse à Folha Stephen Zunes, da Universidade de San Francisco.
Apesar de as pesquisas mostrarem um crescimento da oposição à guerra dentro da opinião pública americana, a maioria (seis em cada dez) ainda admite como necessária uma invasão do Iraque -embora discorde da urgência sugerida por Bush.
O clima de pânico nos EUA e o fato de os atentados de 11 de setembro terem ocorrido em território americano talvez expliquem os motivos pelos quais as manifestações contra a guerra na Europa sejam maiores e mais vistosas.

"Salada de frutas"
Além disso, Zunes e outros especialistas em movimentos sociais vêem uma justaposição entre a oposição à guerra contra o Iraque e os movimentos contra a globalização que surgiram na segunda metade da década de 90.
Segundo eles, o caráter "salada de frutas" do movimento pode comprometer sua mensagem e sua credibilidade.
A primeira manifestação contra a guerra, no dia 29 de setembro passado, em Washington, foi patrocinada pelo WWP (Workers World's Party, ou Partido dos Trabalhadores do Mundo), grupo descrito pela própria revista de esquerda "The Nation" como "revolucionário-socialista simpático à abolição da propriedade privada e ao líder norte-coreano Kim Jong-il".
Apesar das divisões, Zunes e outros especialistas não vêem movimentos pacifistas heterogêneos como ineficazes, desde que eles "amadureçam".
"Desde a primeira manifestação, no ano passado, o movimento nos EUA desistiu de se opor ao capitalismo como fonte de todos os males do mundo", disse o sociólogo Emilio Viana.
"Eles agora têm sido suficientemente maduros para limitarem o alvo de suas manifestações à guerra", afirmou.
Segundo Zunes, o movimento pacifista contra a guerra no Vietnã, na década de 60, também foi marcado por grupos distintos e muitas vezes conflitantes. "Com o crescimento desses movimentos, é natural que se acomodem sob um só lema."
Nesse sentido, o professor universitário lembra que já está havendo uma maior colaboração entre associações distintas -como a Pax Christi (um grupo católico contra a violência), judaicos (o Jewish Voice for Peace and The Shalom Center, ou Voz Judaica pela Paz e o Centro Shalom) e feministas (The Women International League for Peace and Freedom, ou Liga Feminina Internacional pela Paz e pela Liberdade).


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