São Paulo, segunda, 16 de março de 1998

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COLÔMBIA
Narcotráfico financiaria guerrilheiros e paramilitares
Para Samper, traficantes são culpados por violência no país

O presidente Ernesto Samper JUAN JESÚS AZNÁREZ
do "El País

O presidente colombiano, Ernesto Samper, acusa o narcotráfico de colaborar com o aumento da violência no país, por meio do financiamento tanto da guerrilha quanto de seus opositores, os grupos paramilitares.
"O narcotráfico potencializa todas as formas de violência", diz Samper, que admite que membros de sua campanha à Presidência em 1994 podem ter recebido dinheiro dos narcotraficantes sem seu consentimento.
Em entrevista ao jornal espanhol "El País", ele diz que os grupos em conflito precisam negociar um acordo de paz no meio da guerra.
"Todos os processos de paz tentados no passado fracassaram porque se exigia, como primeira condição, que não houvesse guerra", afirmou. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Pergunta - Em que fase se encontra o combate entre o Estado colombiano e as forças guerrilheiras?
Ernesto Samper -
O narcotráfico fortaleceu as guerrilhas, permitiu que elas se armassem de maneira mais efetiva, e fenômenos como os que estamos vendo no sul do país demonstram que a guerrilha está defendendo plantações e laboratórios de coca. Isso tem levado a uma polarização ainda maior da guerra e degradado a situação.
Pergunta - Até que ponto o narcotráfico dificulta a paz?
Samper -
De forma definitiva. O narcotráfico financia a guerrilha, com quem tem uma aliança comercial, não ideológica. E também financia os chamados grupos paramilitares, com os quais tem alianças de caráter mais ideológico. E corrompe os mecanismos constitucionais. Enfim, potencializa todas as formas de violência.
Pergunta - A colaboração internacional para pacificar o país está funcionando?
Samper -
Temos visto, em termos gerais, bastante interesse por parte da União Européia. México, Costa Rica, Venezuela e Espanha desempenham um papel muito importante. Eles não vão fazer a paz pelos colombianos, mas podem facilitar as negociações e, posteriormente, acompanhar o cumprimento dos acordos.
Pergunta - O que separa o Estado da guerrilha?
Samper -
Gostaria de saber. Acho que a guerrilha não tem claro o modelo de país pelo qual luta.
Pergunta - Seu mandato termina em agosto. O sr. vê avanços até lá?
Samper -
Não posso ter a pretensão de achar que, nos meses que sobram, serei capaz de fazer a paz. Não posso nem mesmo afirmar que vá conseguir dar início ao processo. Mas o que posso afirmar é que estou moralmente comprometido a buscar a paz até o último momento de meu governo. Esse problema não se mede em semanas ou meses, mas em mortes. E a violência nos está custando quatro mortes por hora.
Pergunta - O ex-presidente César Gaviria (1990-94) denunciou a entrada de recursos do narcotráfico em sua campanha eleitoral.
Samper -
Não é uma denúncia nova. É uma suspeita generalizada. De toda forma, há algumas pessoas que foram consideradas culpadas. Os que participaram em nossa campanha estão sendo exonerados de culpa pelo Congresso, pela Procuradoria, pelos juízes, o que demonstra que, efetivamente, dissemos a verdade quando afirmamos que não tínhamos conhecimento desses fatos.
Pergunta - Mas Gaviria respondeu com um "não sei" quando lhe perguntaram se o sr. tinha conhecimento da entrada do dinheiro.
Samper -
Não vou polemizar com o ex-presidente. Eu desejaria que, como secretário da Organização dos Estados Americanos, ele não tivesse tanta participação nos assuntos internos da Colômbia.
Eu gostaria também de saber até que ponto esse dinheiro entrou em minha campanha, e até que ponto houve um aproveitamento pessoal dos recursos do narcotráfico. Isso explicaria o fato de o resto dos dirigentes da campanha não ter tomado conhecimento da entrada do dinheiro. É isso que a Procuradoria está investigando, e eu dou todo o apoio.
Pergunta - Há suspeita de que o narcotráfico financiou, mais uma vez, campanhas para o Parlamento. O país tem novamente um Congresso sob suspeita?
Samper -
Não tenho certeza se o dinheiro está vindo do narcotráfico. Tenho a desconfiança de que seja resultado de corrupção administrativa ou de acordos para defender interesses privados.
Pergunta - O general Harold Bedoya, candidato à Presidência da República, culpa o sr. por todos os males da Colômbia.
Samper -
Tomei a sábia decisão de não polemizar com os candidatos. A responsabilidade de um chefe de Estado é não fazê-lo. Quando deixar o governo, direi o que penso do general Bedoya, e pode estar certo de que haverá surpresas.



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