São Paulo, domingo, 16 de abril de 2000


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IRAQUE
Artistas não conseguem comprar materiais básicos para criar suas obras, como tintas, pincéis e papel
Efeitos do embargo contaminam arte

do enviado especial a Bagdá

"Nas barras do embargo, dezenas de crianças caem a cada dia. Até quando? Lembre-se disso ao rezar à noite", diz o poeta Karim Aliiraqi na voz do mais conhecido cantor iraquiano, Kazem Saher.
A canção "Rissala ila alaalam" (mensagem para o mundo) é apenas um exemplo do movimento de protesto contra as sanções que organizam artistas iraquianos.
No Teatro Nacional, uma apresentação de dança aborda as consequências do bloqueio, num cenário limpo, com apenas um painel mostrando um arame farpado simbolizando as sanções, que "amarram" a população.
Há ao menos três peças em cartaz em Bagdá que criticam o embargo, além de outros espetáculos de caráter histórico, como "Arab fauq, arab taht" (árabes em alta, árabes em baixa, uma sátira política) e "O Paraíso Abre suas Portas Atrasado", sobre um iraquiano que, depois de mantido no Irã como prisioneiro por dez anos, volta ao país. "Engoliram metade de nossa cama", diz sua mulher, antes de a platéia, absorta, gritar.
No Dia Internacional do Teatro (30 de março), a comemoração no teatro Rachid, na capital, incluiu a leitura de cartas e fax de apoio, de atores de países como Líbano, Jordânia e Egito.
O embargo também afetou os artistas iraquianos, que não podem mais viajar ao exterior e enfrentam grande dificuldade para obter materiais como tinta, pincéis, telas e papel. Um tubo de tinta custa ao menos US$ 5 no país (o salário médio é de US$ 7).
"É consenso que a produção cultural iraquiana teve grande influência no mundo árabe. Em Bagdá, ainda há mais de 40 galerias de arte e dezenas de teatros", disse à Folha o vice-ministro da Cultura e da Informação do Iraque, Hamid Said, autor de mais de dez livros de poesia.
Ele alega que "o embargo é indistintamente prejudicial" e diz que a tiragem do diário oficial "Al Jumhuria" (A República) foi reduzida de 300 mil para 20 mil exemplares devido à dificuldade de repor peças nos equipamentos gráficos e obter celulose.
A impossibilidade de manter contato com movimentos artísticos de outros países, mesmo quando recebem convite para festivais de arte, prejudica o desenvolvimento profissional, segundo o pintor Muhammad Sharif.
"Nossa civilização, que tanto ofereceu ao mundo em termos de ciência e arte, continua a mostrar a grandeza e a tradição do drama", disse à Folha Sadeq Ali Shahin, diretor-geral dos teatros iraquianos e um dos principais atores do país. Shahin interpretou o papel de um espião iraquiano que trabalhava para a inteligência britânica no filme "Choque da Realeza" (1981), que fala sobre a ocupação britânica no Iraque.
Já Riad Shahid, 42, diretor-geral dos cinemas iraquianos e ator profissional, diz que "os iraquianos passaram a frequentar mais o teatro porque as opções de filmes são cada vez mais limitadas".
Nos cinemas, há basicamente filmes antigos, turcos, indianos e norte-americanos. A exceção são alguns árabes, em especial egípcios. O último filme iraquiano, "O Assassinato do Rei Ghazi", é de 1992 e foi feito em 35 milímetros.
Para Walid Shamel, 50, que apresenta o programa "Bila Hudud" (sem fronteiras) na TV iraquiana, às quartas, "nomes como Adel Kazem (ator), Ala Bachir e Jauad Salim (pintores) enobrecem nossa arte, que resiste ao bloqueio". (PAULO DANIEL FARAH)


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