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São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 2003

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ELEIÇÕES NA ARGENTINA

Declaração, dada a jornalistas estrangeiros, contraria pesquisas, que o colocam em empate técnico

Menem afirma que vencerá no 1º turno

Damian Dopacio/France Presse - 2.abr.2003
O ex-presidente e atual candidato à Presidência Carlos Menem é maquiado momentos antes de participar de um programa de TV



Eu não falo do dólar, mas de moeda forte. É o que eu penso que pode acontecer em todo o continente americano. Talvez nos próximos 15 ou 20 anos

Quanto a ser incompatível com Lula, eu diria que se trata de um problema fictício. Não existe esse tipo de problema no mundo da política quando se dialoga



MARCELO BILLI
DE BUENOS AIRES

"Não haverá segundo turno na Argentina", diz Carlos Menem, ex-presidente e atual candidato à Presidência argentina -as eleições ocorrem no dia 27. Ele contraria todas as pesquisas, que mostram um empate técnico entre os cinco principais candidatos e prevêem a realização de segundo turno.
O candidato afirma que todas as pesquisas são compradas e que, além disso, muitos de seus eleitores têm "vergonha" de dizer que votarão nele. Menem diz acreditar que realizou o governo "mais bem-sucedido" da história do país -ele governou de 1989 a 1999.
O ex-presidente diz que não pode ser responsabilizado pelo colapso da economia argentina. Defende as privatizações feitas nos anos 90 e afirma que acabou com a "corrupção estrutural" na Argentina. Seu único erro, avalia, teria sido um pouco de descontrole nos gastos públicos.
Menem, que defendia a dolarização, mudou o discurso, mas defende uma "moeda forte" para a Argentina e avalia que o continente americano terá uma só moeda em "15 ou 20 anos".
Diz que não vê incompatibilidade entre um futuro governo Menem e o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e chegou afirmar que sua primeira viagem internacional seria ao Brasil.
Menem concedeu entrevista, na qual a Folha esteve presente, a um grupo de jornalistas estrangeiros no hotel Presidente, considerado o "bunker" de sua campanha, no centro de Buenos Aires.
 

PRIVATIZAÇÕES - Aquilo que o Estado não pode conduzir, ou seja, as empresas públicas que não funcionem serão privatizadas. Restaram poucas, claro. Os serviços que temos atualmente têm um nível bom por causa das privatizações. Os argentinos não se opõem às privatizações -a maioria dos argentinos, que hoje tem telefone, transporte, gás, eletricidade. Quem antes não tinha aplaude e insiste na necessidade de levar a cabo um projeto que possibilite que essas empresas prestem bons serviços e tenham a rentabilidade correspondente. A maioria dos argentinos está a favor do processo de privatização dos anos 90.

GASTO PÚBLICO - Quando deixei o governo, a dívida externa era de US$ 120 bilhões. Quando começamos o governo, ela era de US$ 100 bilhões. Em três anos, os irresponsáveis que se encarregaram do governo elevaram [a dívida" a cerca de US$ 160 bilhões. Quando [o presidente Eduardo] Duhalde deixar o governo vamos ter uma dívida de US$ 180 bilhões. Quer dizer, 114% do PIB [Produto Interno Bruto]. Quando eu saí do governo era de 43% ou um pouco menos.

DÍVIDA EXTERNA - Como vamos encarar o problema da dívida? Dialogando com nossos credores. Não vamos pedir abatimentos. Já começamos a negociar porque temos a certeza de que iremos triunfar no dia 27 de abril. Vamos pedir uma ampliação do prazo de pagamento e uma redução da taxa de juros. Atualmente a Argentina paga 9% [ao ano] de juros. Queremos [baixar a taxa para" 2% ou 3%. Vamos honrar a dívida externa, não tenha a menor dúvida. Há US$ 65 bilhões de dívida que temos com empresas e pessoas físicas no exterior, há US$ 35 bilhões que devemos aos organismos multilaterais de crédito. O resto, que é cerca de US$ 80 bilhões, é o que se deve para os nossos credores internos. Vamos a pagar o que devemos.

CALOTE - Foi um tremendo erro. A declaração de calote nos deixou muito mal no mundo. Ela foi feita por um presidente [o agora candidato Adolfo Rodríguez Saá] que em sete dias se foi. Nós tivemos seis presidentes que renunciaram e esse é o "pacote" que nos vão deixar.
Eu escuto políticos dizendo que Rodríguez Saá escapou covardemente. Eu me pergunto se o atual presidente [Duhalde] também não renunciou. O atual presidente também renunciou e nos deixará um pacote explosivo.

GOVERNABILIDADE - O triunfo tem muitos herdeiros, a derrota tem muitos órfãos. O triunfo, em qualquer âmbito da vida, imediatamente recebe o apoio daqueles que talvez o tenham enfrentado [quem triunfou]. [O racha do peronismo] é uma manobra do governo que vai fracassar: dividir o peronismo, de maneira torpe e grosseira, apenas para tentar acabar com minha carreira. Não conseguiram, e as pesquisas mostram que venceremos. Vamos convocar todos os setores da comunidade para que contribuam para curar as feridas causadas pelos responsáveis pela condução do governo nacional.

DOLARIZAÇÃO - Eu não falo do dólar, mas de moeda forte. O que ocorreu na Europa? A partir da União Européia, começou-se a trabalhar com apenas uma moeda. É o que eu penso que pode acontecer em todo o continente americano. Talvez em 15 ou 20 anos.
O certo é que Canadá, Panamá e alguns países da América Central têm o dólar como moeda. Convém não apenas à Argentina, mas também ao Brasil e a todos os países do mundo ter uma moeda forte e estável, não a instabilidade monetária que tantos desastres causou em várias partes do mundo. Essa novela da desvalorização, que os argentinos temos vivido durante muitas décadas, eu não quero ver mais no meu país. O mundo caminha para a eliminação das moedas domésticas.

MERCOSUL - Vamos melhorar as relações [do bloco], como fizemos com o presidente Fernando Henrique Cardoso. Não se esqueçam de que o Mercosul nasceu em 1990, a partir de quando trabalhamos intensamente para criar um Parlamento do Mercosul. Nossa preocupação é a necessidade de atrair o Chile e a Bolívia para o Mercosul. Temos um grande interesse no Chile porque o Pacífico é o oceano comercial por excelência. [Juan Domingo] Perón dizia: Argentina e Brasil no Pacífico, Chile no Atlântico. Nós vamos tornar isso realidade.

MERCOSUL X ALCA - Nós estamos pensando em participar da Alca a partir do Mercosul. Mas, se isso não ocorrer, se surgirem inconvenientes, não haverá nenhum obstáculo para constituir uma zona de livre comércio entre os EUA e a Argentina. Isso já como uma saída de emergência.

LULA - Quanto à [suposta] incompatibilidade com o presidente Lula, eu diria que é uma incompatibilidade fictícia. Não pode haver incompatibilidade quando tanto o presidente Lula quanto os demais presidentes do Mercosul trabalham pelos interesses da comunidade de seus países. Não existe incompatibilidade no mundo da política quando se dialoga.

RESPONSABILIDADE PELA CRISE - Quando deixamos o governo, a renda per capita argentina era de US$ 8.000. Quando eu assumi o governo, o índice de pobreza era de 47%. Baixou para 24%. O governo de [Fernando] De la Rúa -que, como dizem, foi um verdadeiro papel em branco, porque não fez nada- deixou que o países se perdessem. Quando De la Rúa renunciou, o índice de pobreza estava em 37%.
Veio o calote da dívida e, depois, o governo de Duhalde, que desvalorizou o peso e pesificou a economia. O índice de pobreza subiu de 37% para 61%. Agora diga-me: que culpa teve o meu governo? Nenhuma. Isso foi produto da falta de governabilidade na Argentina.

MEA CULPA - Eu assumo a responsabilidade de um excesso de gasto público. Mas era fundamental, em um país que crescia como a Argentina, construir a infra-estrutura para garantir e ampliar o crescimento.
Os investimentos foram enormes em estradas, em pontes, em drenagem de rios. Esses investimentos excederam um pouco o gasto público. Mas tínhamos um déficit fiscal de 2,5% e uma dívida de 43% do PIB. Talvez eu tenha excedido, mas era fundamental para que o país pudesse crescer. E a Argentina cresceu 60%.

CORRUPÇÃO - Permanentemente se fala da corrupção e colocam a culpa nos liberais. Não está correto. Nós destruímos a corrupção estrutural quando privatizamos as empresas do Estado, que tinham prejuízo e eram fonte de negociatas entre o Estado e os fornecedores. Sobrou uma corrupção residual que existe em praticamente todos os países do mundo. Mas, quando eu deixei o governo, a Argentina estava numa posição intermediária no ranking de corrupção. Sabe onde estamos hoje, com estes três anos de governo? Estamos juntos com Haiti, Nigéria e outros países onde a corrupção é terminal.


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