São Paulo, domingo, 16 de junho de 2002

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BIG BROTHER EUA


Nunca a sociedade americana foi tão vigiada: milhares de câmeras monitoram os movimentos, e novas medidas cerceiam liberdades individuais


SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

 "Se você quer uma imagem do futuro, imagine uma bota prensando um rosto -para sempre." Trecho de "1984", de George Orwell (1903-1950)

Um turista estrangeiro que desembarque hoje em Nova York pode ter seu rosto fotografado e suas impressões digitais tomadas logo ao passar pela alfândega. Do caminho do aeroporto ao hotel, o táxi que pegou deixará traços de seu trajeto no pedágio eletrônico. Se preferir ir de metrô, o mesmo acontecerá com seu tíquete.
Guardadas as malas, poderá caminhar até o sul de Manhattan, para pegar a balsa para a Ilha da Liberdade, onde fica um dos principais monumentos turísticos da cidade. Não conseguirá caminhar nem dois quarteirões sem ser registrado por uma das 6.000 câmeras de segurança, públicas e privadas, espalhadas por Nova York.
Ao deixar a balsa e pisar na ilha que serve de suporte para a Estátua da Liberdade, terá seu rosto de novo fotografado e, enquanto visita as lojas de lembranças, um computador comandado pelo FBI (a polícia federal dos EUA) comparará seus traços com os de um banco de dados de terroristas.
De volta a seu quarto, a chance de a presença do turista no país ter sido registrada por algum banco de informações acessável por um dos órgãos federais de inteligência é de 95%, porcentagem que vai para 100% se ele tiver tirado dinheiro de caixa eletrônico.
O "privilégio" não é só dos estrangeiros. Uma americana de Denver, no Texas, que resolva fazer um aborto, permitido pela lei do Estado natal de George W. Bush, pode ter sua foto tirada ao entrar no hospital e colocada na internet, pelos militantes do site Abortioncams.com, que recebe 2 milhões de pessoas por mês.
Ou um casal de aposentados que esteja fazendo compras num shopping de Minneapolis terá suas reações frente aos produtos e ofertas devidamente registradas por circuitos eletrônicos espalhados pelo prédio e depois analisadas por um grupo de publicitários, psicólogos e analistas de mercado (leia texto nesta página).
Nunca a sociedade norte-americana foi tão vigiada eletronicamente quanto desde o ataque terrorista de 11 de setembro.
A cada semana, o Departamento da Justiça, comandado pelo ultraconservador John Ashcroft, aprova novas medidas que restringem ou ameaçam as liberdades individuais de uma maneira que só encontra precedente na Segunda Guerra Mundial, segundo a cada vez mais atuante União Americana de Liberdades Civis.
Não por acaso, é daquela década a criação do "Big Brother". O termo vem de personagem do romance "1984", de George Orwell, obra de 1949 em que o britânico, desencantado com o socialismo sob Stálin, critica as sociedades totalitárias. No livro, o governo da fictícia Oceania é dominado por uma elite tecnológica cujo líder é o "Grande Irmão".
"Aquela ficção é a nossa triste realidade", disse à Folha Bill Brown, presidente da ONG Atores da Câmera de Vigilância, que mapeia as câmeras de segurança espalhadas por Nova York. O ativista organiza um disputado passeio, que aponta para as pessoas a localização exata das câmeras na cercania da sede da ONU (Organização das Nações Unidas).
Com ele concorda Nadine Strossen, presidente da respeitada União Americana das Liberdades Civis: "Em vez de ver onde foi cometido o erro em 11 de setembro e então corrigi-lo, o governo vem dando cada vez mais poder ao FBI e à CIA, as mesmas agências que o cometeram".
Para a ONG, quanto mais o governo federal autoriza seus órgãos e agências a vigiar, mais a sociedade civil se sente no direito de ou impelida a imitar, num círculo vicioso aparentemente sem fim.
Nem todo o mundo está reclamando, no entanto. Segundo pesquisa divulgada nesta semana pelo Gallup, 8 em cada 10 norte-americanos estão dispostos a abrir mão de suas liberdades individuais em troca de mais garantias de segurança na chamada "guerra contra o terrorismo".
Amparado pelo apoio popular e pelo presidente Bush, John Ashcroft não dá sinal de cansaço. "Estamos em guerra, e essas medidas são medidas de tempo de guerra", disse o secretário da Justiça em entrevista.



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