São Paulo, terça-feira, 16 de agosto de 2011

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CLÓVIS ROSSI

Populismo vive, viva o populismo?


Cristina Kirchner está virtualmente reeleita na Argentina, mas qual o fôlego de seu "modelo"?


Cristina Fernández de Kirchner está virtualmente reeleita para um segundo mandato, o terceiro da família, embora faltem 70 dias para a votação.
A constatação é inevitável ante o estranho modelo de primárias que o país adotou por lei, obrigatórias para todos, eleitores e candidatos, realizadas domingo. Nelas, a presidente obteve 50% dos votos, superando com alguma folga os 45% que dão a vitória no primeiro turno. É ilógico supor que esse resultado não se reproduza em outubro, salvo, claro, um cataclisma.
O resultado acaba sendo um plebiscito sobre a gestão dos Kirchner. Reconhece até Néstor Scibona, colunista de "La Nación", jornal conservador e fortemente crítico do que Cristina chama de "modelo" adotado pelo marido primeiro e por ela depois: "As situações econômicas favoráveis sempre jogam eleitoralmente a favor do oficialismo".
O espetacular crescimento argentino se refletiu nas urnas: há quatro anos, ela se elegeu com 45% contra 23% de Elisa Carrió, então segunda colocada. Agora, vai a 50% contra apenas 12% dos segundo e terceiro colocados, virtualmente empatados.
Se, como é razoável especular, a presidente vencer também a eleição que vale o "sillón de Rivadavia", o assento presidencial na Argentina, será a segunda vitória consecutiva do populismo, depois do triunfo de Ollanta Humala no Peru.
Mas, atenção, uso populismo apenas como descrição do que Cristina crê ser um "modelo", sem juízo de valor ou conotação pejorativa. Arrisco-me até a uma simplificação, ao definir populismo como um jeito de governar que aceita o mercado, mas não despreza o Estado, que adota um viés a favor do andar de baixo, sem, no entanto, machucar muito o andar de cima, exceto na Venezuela.
O populismo já foi menosprezado pela esquerda marxista, por, na prática, tentar a conciliação de classes, em vez de apelar à luta de classes. Na Argentina, então, os partidos de esquerda foram reduzidos à insignificância, em cerca de 60 anos de predomínio do peronismo (ao qual, de resto, pertence Cristina). Depois que a luta de classes foi vencida pelas classes dominantes, não restou alternativa à esquerda que não fosse aderir ao populismo, o que se dá na Argentina, no Brasil, no Peru, na Venezuela, no Equador e por aí vai, respeitadas as diferenças entre seus líderes. O problema para o populismo é que ele costuma ter pernas curtas. No caso da Argentina, Scibona, o colunista de "La Nación", aposta que o bem estar que deu a vitória a Cristina chega só até outubro.
É o suficiente para a reeleição, mas, depois, "a persistente inflação [...], eixo de uma cadeia de distorções, se não for corrigida, pode comprometer o alto crescimento econômico dos últimos anos. Sem uma política articulada para baixá-la gradualmente, será cada vez mais difícil reduzir a pobreza e a exclusão social, impulsionar um investimento maior e a criação de empregos privados, assim como a competitividade da economia".
Troque-se "inflação" por "crescimento mais robusto" no trecho acima -e tem-se o desafio para todos os populistas eleitos ou reeleitos na região, Brasil inclusive.

crossi@uol.com.br

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