São Paulo, quinta-feira, 16 de novembro de 2000

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IMPASSE NO IMPÉRIO
Problemas com eleição e contagem de votos fazem do Estado alvo de piadas e deixam moradores atônitos
Confusão eleitoral piora fama da Flórida


MIREYA NAVARRO
DO "THE NEW YORK TIMES", EM MIAMI

A imagem da Flórida já não era lá grande coisa. Parece que desde a época do seriado de TV "Miami Vice" o Estado vem sendo criticado por uma coisa após outra: distúrbios raciais, assassinato de turistas, corrupção no governo, fraude eleitoral, devastadores desastres naturais, uma cadeira elétrica que ateava fogo a suas vítimas e, é claro, o grande debate em torno de Elián González.
O tipo de comportamento que deixa o resto do país perplexo com frequência se dá em Miami, vista pela maior parte do norte da Flórida como criadora dos problemas do Estado. Mas, com o resultado da eleição presidencial em suspenso em razão de cédulas duplamente perfuradas, contagens equivocadas e processos abertos por pessoas que votaram no candidato errado em outras partes do Estado, seus moradores alarmados já estão dizendo que a Flórida virou a Miami do país.
"Esta é a eleição da pessoa mais poderosa do mundo, e aqui estamos nós, causando uma pane no processo todo", disse Paul George, de Miami, professor de história na Faculdade Comunitária Miami-Dade. "Recebi um e-mail de um amigo da Espanha dizendo, basicamente, que desta vez é a Flórida inteira que virou uma República das Bananas."
No "Panhandle" da Flórida -o "cabo de panela", ou seja, o encrave comprido que se projeta da parte principal do Estado-, os residentes que atravessam as divisas do Alabama e da Geórgia para trabalhar e fazer compras dizem que as críticas ouvidas nos Estados vizinhos são impiedosas.
"Todo mundo acha que somos burros", disse Naomi Melvin, que dirige o comitê executivo do Partido Democrata no condado de Washington, no Panhandle. "Meu marido é médico, e eu tenho PhD. Não somos burros."
Na verdade, boa parte da Flórida está tão atônita quanto o resto do país com o rumo dos acontecimentos desde a eleição. Num Estado de 15 milhões de habitantes e que inclui áreas tão diversas quanto o sul, com sua enorme população de origem hispânica, seu glamour e seu comércio internacional, e o Panhandle, com grande população nativa que cultiva amendoim, algodão e madeira para extração e não acha pejorativo o qualificativo "redneck" (algo como caipira), alguns residentes vêm assistindo ao que está acontecendo nos condados de Palm Beach, Volusia e outros quase como se não lhes dissesse respeito.
Na realidade, foi a própria diversidade demográfica do Estado que possui a quarta maior população nacional que ajudou a provocar a profunda divisão política hoje escancarada diante do resto do país. Antigamente dominada pelo Partido Democrata, a Flórida viveu um crescimento demográfico explosivo na década de 1980, que trouxe ao Estado mais republicanos. Para analistas, a mudança de partido de alguns eleitores brancos e a redistribuição dos distritos eleitorais também contribuíram para a queda no número total de filiados do Partido Democrata, que hoje chegam a 44% do total, contra 56% em 1988.
Embora o número de democratas filiados ainda supere o de republicanos, que respondem por 40% do eleitorado, os eleitores da Flórida demonstram tendência a trocar de partido. Isso se aplica especialmente aos democratas brancos da zona rural, que, na hora de votar, costumam levar em conta fatores como a familiaridade com o candidato e visões conservadoras de questões como impostos e criminalidade.
Por essas razões e devido ao aumento do número de independentes, que hoje formam 16% dos eleitores registrados, muitos analistas políticos já previam uma eleição presidencial apertada este ano. O que não previram foram os problemas com cédulas confusas, votos anulados, contagens imperfeitas e outros obstáculos que deixaram muitos eleitores perplexos com as falhas de seu sistema democrático.
Lance de Haven-Smith, diretor associado do Instituto de Governo da Flórida, centro de pesquisas ligado à Universidade Estadual da Flórida, em Tallahassee, disse: "A Flórida tem tendência um pouco maior a sofrer esse tipo de coisa porque temos grande população de cidadãos na terceira idade, alta porcentagem de imigrantes e um sistema de voto antiquado. Some-se tudo isso, e não surpreende que ocorram erros e confusão".
Entretanto muitas pessoas no Estado rejeitam a implicação de que não sabem votar ou contar votos, dizendo que, se outras partes do país fossem submetidas ao mesmo exame de perto que vem sendo feito da Flórida, outras imperfeições viriam à tona.
Mas os habitantes do Estado vêm tendo dificuldade em resistir às farpas. Já alvos de piadas intermináveis na televisão, eles mesmos têm sido seus piores críticos. Dave Barry, escrevendo no "Miami Herald", sugeriu que as cédulas contivessem fotos dos candidatos, para que fossem menos confusas. "Os eleitores poderiam indicar sua preferência usando as máquinas perfuradoras para acertar o candidato de sua escolha no meio dos olhos."


Tradução de Clara Allain


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