São Paulo, sábado, 16 de novembro de 2002

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IRAQUE NA MIRA

Chefe dos inspetores diz que qualquer tentativa de Bagdá de atrasar seu trabalho será considerada falta "grave"

Inspetores não tolerarão atrasos, diz Blix

CORINE LESNES
DO "LE MONDE", EM NOVA YORK

O Iraque tem de estar pronto a respeitar os termos da resolução da ONU, já que atrasos não serão tolerados. É claro que a administração iraquiana está insatisfeita, e isso será levado em consideração pelos inspetores de armas. Mas a aplicação da resolução também interessa ao Iraque. Afinal, o Conselho de Segurança da ONU disse que se trata da última chance do Iraque, o que é muito sério.
A análise é do sueco Hans Blix, 74, chefe dos inspetores de armas da ONU e especialista em direito constitucional. Blix foi ministro das Relações Exteriores da Suécia durante um ano (1978-1979) e diretor da Agência Internacional de Energia Atômica nos dez anos subsequentes.
Desde 2000, ele dirige a Comissão de Controle, Verificação e Inspeção das Nações Unidas no Iraque (Unmovic). Os inspetores deverão enviar a Bagdá, na próxima segunda-feira, uma primeira equipe encarregada da logística da operação. Em seguida, no dia 25 de novembro, será a vez de uma equipe operacional desembarcar no Iraque.
Leia a seguir sua entrevista.

Pergunta - O que o sr. acha da carta em que Bagdá disse aceitar a resolução 1441?
Hans Blix -
É uma verdadeira carta de amor, não? Nossa opinião é que o Iraque está pronto a respeitar os termos da nova resolução. É claro que a administração iraquiana está insatisfeita. Registramos isso. Mas cabe a nós aplicar a resolução, e isso também atende aos interesses do Iraque. O Conselho de Segurança [da ONU" disse que é a última chance do Iraque. Isso é muito sério.

Pergunta - A carta do ministro iraquiano lembra que estamos no Ramadã [mês sagrado para os muçulmanos]. Isso não pode causar atraso no trabalho dos inspetores?
Blix -
O Ramadã é um período de jejum. Os inspetores não interferem de nenhuma maneira na prática religiosa. As inspeções são inteiramente possíveis no Ramadã. Isso já ocorreu no passado.

Pergunta - Por outro lado, o sr. passou a ser vigiado pelos "falcões" do governo americano, não?
Blix -
Fui a Washington com Mohamed El Baradei [diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica]. O presidente [George W." Bush nos assegurou que os EUA preferem uma solução pacífica, se isso for possível, e que ele apóia os inspetores totalmente. Alguns setores da administração americana talvez não estejam satisfeitos com as decisões que foram tomadas. Mas as decisões cabem ao presidente.

Pergunta - Não é verdade que algumas divergências ainda persistem?
Blix -
Para nós, foi extremamente importante contar com o apoio unânime do Conselho de Segurança. Mas o fato de contarmos com esse apoio fundamental não significa que não existam problemas. Há muitas formulações que suscitam interpretações distintas. Sobre a questão das violações, pode haver pontos de vista diferentes entre os Estados-membros.

Pergunta - Consta que Paul Wolfowitz, um dos "falcões" da administração americana, teria insistido para que fosse exigido que os inspetores conduzam os interrogatórios de cientistas iraquianos fora do país. O sr. se opôs à proposta?
Blix -
As entrevistas são muito importantes no desarmamento. Entretanto o Iraque não é um país em que a liberdade de expressão é exercida facilmente. No passado, muitas entrevistas ocorreram sem problemas. Também houve casos em que os inspetores perceberam que as testemunhas estavam com medo.
É claro que temos o direito de exigir falar com as pessoas sem a presença de testemunhas. Mas não podemos forçar ninguém a falar. É aqui que entra a cláusula da resolução que nos autoriza -eu disse autoriza, não ordena- a "facilitar" a viagem para fora do Iraque de testemunhas e de seus familiares. Eu disse que previa dificuldades de ordem prática. E, sobretudo, não quero sugerir uma ação que coloque em risco a vida das pessoas envolvidas.
Acho que o trabalho dos inspetores é realizar inspeções, não servir como agência de deserções. Ficou claro?

Pergunta - Se uma inspeção for atrasada ou bloqueada durante algumas horas pelos iraquianos, isso constituirá uma violação?
Blix -
Isso vai contrariar o princípio central de acesso imediato, irrestrito e incondicional. Se houver atraso de duas horas, dependendo do motivo dado, isso poderá constituir delito grave, sim. Eu diria que até mesmo um atraso de meia hora pode ser grave.

Pergunta - Tudo vai depender da avaliação feita pelos inspetores em campo. O sr. vai estar lá, em campo?
Blix -
Existe uma cadeia muito rápida de prestação de contas para os inspetores em campo. Mas não cabe a nós decidir se ocorreu uma violação. Quem o fará será o Conselho de Segurança. Nós diremos apenas que há obstáculos ou que ocorreu uma interferência em nossas atividades. O Conselho julgará o caso.

Pergunta - Vocês receberam dos governos listas de locais a serem inspecionados?
Blix -
Não. Temos uma boa idéia dos locais aos quais iremos. Existem ao todo cerca de 700 locais a serem inspecionados. Alguns deles foram destruídos em 1998, e as imagens que obtivemos por satélite nos mostraram reconstruções. Vamos procurar guardar sigilo, vamos trabalhar sem dar avisos prévios. É por isso que até mesmo meia hora de atraso terá sua importância. Em meia hora, não é possível esconder uma arma volumosa ou uma máquina de grande porte, mas documentos ou tubos de ensaio, sim.

Pergunta - Os inspetores dispõem de novos meios de verificação?
Blix -
Sim, os instrumentos foram aperfeiçoados. Veja esta imagem de Bagdá obtida via satélite. No passado, essas imagens tinham uma resolução de dez metros. Agora ela foi reduzida para 65 centímetros. E esse instrumento pode ser comprado no mercado. A técnica de análise de amostras também avançou. A análise de amostras de terra, ar, folhas ou areia pode revelar a presença de substâncias químicas, mesmo quando feita com quantidades ínfimas.

Pergunta - O que o sr. espera para o próximo dia 8 de dezembro?
Blix -
O Iraque será obrigado a declarar seus programas e suas armas de destruição em massa, além dos programas que afirma que têm usos civis, mas que abrangem os setores químico, biológico ou nuclear. No que diz respeito às armas de destruição em massa, espero que os iraquianos procurem em seus estoques e depósitos e que as descrevam.
Eles disseram que não têm armas de destruição em massa. Fontes dos serviços de inteligência dos EUA, do Reino Unido e da França estão convencidos de que existe alguma coisa. O Iraque terá de olhar com muito cuidado e declarar qualquer coisa que tiver.
Nós vamos examinar suas declarações e muitas outras. Atualmente, não temos provas de que Bagdá possua armas de destruição em massa. Mas muitos elementos nos levam a não poder descartar a possibilidade de que o país possua mísseis Scud, esporos de antraz e outras coisas.


Tradução de Clara Allain


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