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São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2003

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ANÁLISE

Mortes ameaçam plano eleitoral de Bush

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

A repentina mudança de estratégia dos EUA em relação ao Iraque na semana passada pode levar o presidente George W. Bush a retirar-se rápido demais do país por razões de política interna.
Políticos republicanos e democratas, além de analistas militares, acreditam que a aproximação da eleição presidencial nos EUA, em novembro de 2004, tenha acendido uma luz vermelha no painel dos estrategistas da Casa Branca.
Nos últimos meses, Bush livrou-se de quase todos os seus problemas internos, especialmente no front econômico, e vem pavimentando, com pelo menos US$ 90 milhões já arrecadados, estratégia para a sua reeleição.
Nesse cenário, a morte cotidiana de soldados no Iraque é hoje o seu maior obstáculo, alvo de críticas e de crescente repúdio da opinião pública americana.
Para James Lindsay, ex-diretor do Conselho de Segurança Nacional no governo Bill Clinton (1993-2001), Bush deverá adotar o quanto antes no Iraque modelo semelhante ao adotado no Afeganistão.
"O objetivo será reduzir os custos políticos com uma deterioração no país e focar a ação americana em bases fora das grandes cidades, emergindo apenas para conduzir ataques rápidos quando isso for necessário", diz Lindsay.
Lawrence Korb, ex-secretário da Defesa do governo Ronald Reagan (1981-89) e que acaba de voltar de Bagdá em viagem promovida pelo Pentágono, afirma que a atual mudança de posição foi acelerada por uma discordância crescente entre os EUA e o conselho consultivo estabelecido no Iraque.
Atuando sob o comando da APC (Autoridade Provisória da Coalizão), que é dirigida pelo norte-americano Paul Bremer, o conselho consultivo, segundo Korb, quer promover eleições no Iraque antes de escrever uma nova Constituição -o inverso do que planejavam os EUA inicialmente.
"Se tivermos de esperar por eleições, isso significa mais um ano antes de a nova Carta ficar pronta", diz Korb.
Ao mesmo tempo, os EUA temem que as urnas acabem legitimando uma teocracia ou um governo com forte influência de partidários do ex-ditador Saddam Hussein.
Na semana passada, novas promessas de envio ao Iraque de tropas de outros países também foram frustradas, aumentando a necessidade de os EUA encontrarem uma saída para seus próprios soldados no país.
A alternativa pensada agora pelos EUA é criar dois comitês, um executivo e outro constitucional, que possam, simultânea e respectivamente, tomar decisões de forma mais autônoma e preparar uma nova Constituição.
No meio tempo, a segurança iraquiana seria substituída. Nos últimos 40 dias, os EUA praticamente dobraram (para cerca de 118 mil) o número de policiais treinados e equipados pelas forças americanas.
Essa nova força poderá dar sustentação ao novo comitê executivo e retirar de circulação boa parte dos soldados americanos -que ficariam mais protegidos em bases a serem montadas.
A Casa Branca ainda não deixou claro o que pretende, de fato, fazer. Mas a movimentação de Bush no sentido de tirar o fardo do Iraque de seu caminho já provocou uma forte reação no Congresso americano.
"Preparar um retirada quando as nossas forças estão sendo atacadas não parece lógico. Se os militares americanos não são capazes de controlar a situação, certamente não serão os iraquianos ainda semitreinados que irão fazê-lo", reagiu o senador republicano John McCain.
O Partido Democrata, de oposição, foi mais explícito: "Depois de fazer todas as opções erradas, esse governo agora conclui que, de qualquer maneira, tem de trazer os soldados de volta antes da eleição para poder sobreviver", disse o senador Joseph Biden.
Além da perda diária de vidas no Iraque, começa a entrar nos cálculos políticos de Bush o cenário de afunilamento das chances dos pré-candidatos democratas à eleição de 2004.
O favorito até agora, o médico e ex-governador de Vermont Howard Dean, deu um passo importante na semana passada ao anunciar, pela primeira vez na história do Partido Democrata, que não vai utilizar fundos públicos de campanha em sua corrida à Casa Branca. Com isso, Dean está livre -assim como Bush- para arrecadar mais do que os US$ 45 milhões de teto estabelecido para quem opta por receber fundos públicos de campanha.
Michael O'Hanlon, analista do Instituto Brookings, um conceituado "think tank" de Washington, diz que uma retirada das tropas americanas no Iraque anularia a melhor munição que os democratas teriam para atacar Bush nos meses mais quentes da campanha eleitoral do ano que vem.


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