São Paulo, Quinta-feira, 16 de Dezembro de 1999


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VENEZUELA
Segundo diretor de instituto de pesquisa, eleitorado de classe baixa, 78% dos votantes, ignora propostas
Eleitor vota sem conhecer Constituição

do enviado especial a Caracas

O eleitorado venezuelano, que votou ontem a nova Constituição, simplesmente a desconhece. A vitória do "sim", apontada pelas pesquisas, é exclusivamente mais uma vitória política e pessoal do presidente Hugo Chávez.
O grau muito precário de conhecimento sobre o texto constitucional submetido a referendo foi detectado pelas pesquisas do Datanálisis, o mais conhecido instituto de opinião do país.
Seu presidente, José Antonio Gil Yepes, assinala que Chávez tem um prazo relativamente curto, de um a dois anos, para responder às expectativas que despertou. Caso contrário a tendência é de queda de sua popularidade, hoje refletida num índice de aprovação de 69%. Eis a entrevista.

Folha - Qual o conhecimento que o eleitorado venezuelano tem do projeto de Constituição?
José Antonio Gil -
O grau de conhecimento é baixíssimo. Os segmentos D e E, 78% do eleitorado, nada sabem sobre o conteúdo da Constituição. Fundamentam o "sim" e o "não" no fato de gostar ou não do presidente Chávez.

Folha - É difícil acreditar que não se tenha a menor idéia.
Gil -
Ao insistirmos, o eleitor pesquisado evoca apenas dois temas: maior direito territorial às populações indígenas, o que para as pessoas não é bom nem ruim, e a mudança do nome do país -de "República da Venezuela" para "República Bolivariana da Venezuela"-, à qual 60% se opõem porque acreditam que perderão tempo e dinheiro para trocar os seus documentos em que o nome do país está impresso.

Folha - As pesquisas demonstram algum conhecimento específico sobre a ampliação dos direitos sociais?
Gil -
A questão aparece basicamente nos segmentos A e B. Eles evocam a existência de uma economia informal que absorve 53% da mão-de-obra. Somados os 18% de desempregados, tem-se que apenas 29% dos venezuelanos pagam impostos. É impossível fazer gastos sociais com uma parcela tão pequena de contribuintes. Tais investimentos entram em colapso com qualquer queda no preço do petróleo (o país é grande produtor de petróleo, que responde por 76,8% das exportações). Mas o argumento é de pouquíssimos eleitores.

Folha - Quais os valores que Chávez representa?
Gil -
O presidente é para os venezuelanos uma esperança de mudança, uma revanche contra 40 anos de poder dividido entre os partidos tradicionais, a Ação Democrática e o Copei, uma resposta à ineficiência nos gastos públicos e à corrupção.

Folha - E o que evocam os que votaram "não"?
Gil -
Essa parcela da população acredita que Chávez e os constituintes nada fizeram contra o desemprego, não atraíram investimentos privados e não resolveram os problemas da educação, da saúde, da democracia e da segurança pública.

Folha - Onde se concentra a maior resistência a Chávez?
Gil -
Entre os mais jovens e os mais ricos (só 34% de "sim" nas classes A e B). As mulheres registram uma adesão ao "sim" em dez pontos menor que os homens.

Folha - É inédita a linguagem utilizada por Chávez, de vingança contra os privilegiados e em favor de uma melhor distribuição das riquezas nacionais?
Gil -
Não. Essa postura é tradicional no discurso da oposição há pelo menos duas décadas. Chávez apenas a sintetizou, mas com a vantagem de ser militar e, portanto, um personagem externo ao establishment partidário.

Folha - Sua imagem tende a piorar ou a melhorar ainda mais?
Gil -
O índice de aprovação do presidente, que obteve há um ano 56% dos votos, chegou a 91% em fevereiro. Está agora em 69% de ótimo ou bom. Mas é uma taxa de aprovação muitíssimo frágil. Ela se fundamenta na expectativa do que o governo pode fazer e não na avaliação daquilo que está sendo feito. O presidente dispõe agora de um ano e meio ou dois anos para ser bem-sucedido em frentes complicadas: criação de emprego e investimentos privados, saúde, educação e segurança pessoal. Mas a Venezuela não tem meios para em tão pouco tempo investir tudo o que deveria nesses setores.

Folha - Chávez pode ser um fenômeno efêmero?
Gil -
É um fenômeno com pavio muito curto. Gerou expectativas que serão objeto de cobrança no curto prazo. E Chávez não poderá pôr a culpa nos partidos, na burocracia ou no Judiciário, como seus antecessores. Ele hoje encarna sozinho a imagem do poder.


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