São Paulo, Quinta-feira, 16 de Dezembro de 1999


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COMENTÁRIO
Chávez executa, por etapas, um "golpe legal"

do enviado especial a Caracas

É plausível discutir a existência do "poder de contágio", entre países vizinhos, da reviravolta institucional comandada na Venezuela por Hugo Chávez.
Ela, antes de mais nada, concentra ingredientes muito particulares. Depois da queda da ditadura de Marcos Pérez Jimenez, em 1958, o país acumulou uma série contínua de expectativas frustradas, com os partidos tradicionais e seus aliados circunstanciais da esquerda prometendo, com dez presidentes, devolver à sociedade a parcela da riqueza do petróleo apropriada por uma minoria.
O governo faz na Venezuela só 21% dos investimentos, bem menos que no Brasil. Há insuficiências sociais mais crônicas. A pobreza atinge 47% de uma população de 22,3 milhões. Caracas, com 4 milhões de habitantes, tem metade da população favelada e visível nos morros.
Chávez acredita que as Forças Armadas são a única instituição capaz de promover um reordenamento social. Seu projeto Bolívar-2000 prevê a participação de soldados e oficiais na reestruturação dos movimentos de sem-terra e dos indígenas.
A esquerda, a começar pelos comunistas, contenta-se em ser coadjuvante do poder em troca de empregos para seus quadros.
O presidente venezuelano caminha com paciência. Foi eleito contra os interesses oligárquicos e, em seguida, acabou com o Congresso Nacional, ao eleger uma Constituinte que lhe era esmagadoramente favorável e que tomou para si a tarefa legislativa.
Deve convocar eleições gerais em março. Os 22 governadores dificilmente sobreviverão. Terá completado -com aparente legalidade- um golpe de Estado perpetrado por etapas.
O contágio da "revolução" de Chávez é desejado pela minoria dos oficiais das Forças Armadas que lhe são fiéis (os "profissionais", despolitizados, são ainda majoritários). Simón Bolívar (1783-1830) não se tornou gratuitamente uma referência obrigatória. Resgatar a unidade territorial dos tempos da independência implicaria uma forma inédita de aproximação com Colômbia, Equador e Panamá, o que ainda não está em discussão.
Quanto ao resto do continente, as hipóteses estão em aberto. Chávez disse recentemente que a nova Constituição "impedirá o projeto neoliberal de fincar raízes na Venezuela". Retoricamente ou na prática, ele quebrou um consenso que a lógica do mercado havia obtido na América Latina. Pode haver quem queira copiá-lo. (JBN)

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