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COMENTÁRIO
Chávez executa, por etapas, um "golpe legal"
do enviado especial a Caracas
É plausível discutir a existência
do "poder de contágio", entre
países vizinhos, da reviravolta
institucional comandada na Venezuela por Hugo Chávez.
Ela, antes de mais nada, concentra ingredientes muito particulares. Depois da queda da ditadura de Marcos Pérez Jimenez,
em 1958, o país acumulou uma
série contínua de expectativas
frustradas, com os partidos tradicionais e seus aliados circunstanciais da esquerda prometendo, com dez presidentes, devolver à sociedade a parcela da riqueza do petróleo apropriada
por uma minoria.
O governo faz na Venezuela só
21% dos investimentos, bem
menos que no Brasil. Há insuficiências sociais mais crônicas. A
pobreza atinge 47% de uma população de 22,3 milhões. Caracas, com 4 milhões de habitantes, tem metade da população favelada e visível nos morros.
Chávez acredita que as Forças
Armadas são a única instituição
capaz de promover um reordenamento social. Seu projeto Bolívar-2000 prevê a participação
de soldados e oficiais na reestruturação dos movimentos de
sem-terra e dos indígenas.
A esquerda, a começar pelos
comunistas, contenta-se em ser
coadjuvante do poder em troca
de empregos para seus quadros.
O presidente venezuelano caminha com paciência. Foi eleito
contra os interesses oligárquicos
e, em seguida, acabou com o
Congresso Nacional, ao eleger
uma Constituinte que lhe era esmagadoramente favorável e que
tomou para si a tarefa legislativa.
Deve convocar eleições gerais
em março. Os 22 governadores
dificilmente sobreviverão. Terá
completado -com aparente legalidade- um golpe de Estado
perpetrado por etapas.
O contágio da "revolução" de
Chávez é desejado pela minoria
dos oficiais das Forças Armadas
que lhe são fiéis (os "profissionais", despolitizados, são ainda
majoritários). Simón Bolívar
(1783-1830) não se tornou gratuitamente uma referência obrigatória. Resgatar a unidade territorial dos tempos da independência implicaria uma forma
inédita de aproximação com Colômbia, Equador e Panamá, o
que ainda não está em discussão.
Quanto ao resto do continente, as hipóteses estão em aberto.
Chávez disse recentemente que
a nova Constituição "impedirá o
projeto neoliberal de fincar raízes na Venezuela". Retoricamente ou na prática, ele quebrou
um consenso que a lógica do
mercado havia obtido na América Latina. Pode haver quem
queira copiá-lo.
(JBN)
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