São Paulo, segunda-feira, 17 de janeiro de 2005

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Estudo serviu de base para teoria da "psicologia do mal"

DA CALIFÓRNIA

Pegue dezoito jovens, coloque-os juntos num ambiente fechado e controlado por duas semanas, divida-os aleatoriamente entre dois grupos, um de "guardas", outro de "prisioneiros" e veja o que acontece. Essa era a receita original de Philip Zimbardo, professor da Universidade Stanford em 1971, quando pôs um anúncio no jornal: "Precisa-se de estudantes universitários homens para estudo psicológico. Paga-se US$ 15."
Três anos antes, o mesmo Zimbardo tinha ganho notoriedade nacional por ser um dos pais do que viria a ser chamado "Teoria da Janela Quebrada". Num dia, ele deixou um carro sem placas, aparentemente abandonado, numa das então ruas de maior índice de criminalidade do Bronx nova-iorquino. Fez o mesmo, com o mesmo modelo de carro, na rua principal da pacata Palo Alto, que abriga Stanford, na época com 15 mil habitantes. Em poucas horas, o carro do Bronx foi completamente depenado. Duas semanas depois, o da cidade californiana continuava intocado.
Até que Zimbardo pegou uma marreta.
E quebrou uma das janelas do carro de Palo Alto. Depois disso, em menos de um dia, também este seria vandalizado. Daí a tese, que é a base de ação da moderna polícia das grandes cidades norte-americanas hoje em dia, de que não basta haver ordem, tem de haver a aparência da ordem; e pequenos delitos devem ser coibidos energicamente, pois podem preparar o ambiente para grandes delitos.
Mas estamos num domingo ensolarado de agosto de 1971, e Zimbardo já dividiu seus grupos. Metade foi colocada em "celas" improvisadas no subsolo do prédio do Departamento de Psicologia, cada um com um número pregado na roupa. A outra metade recebeu "uniformes" e óculos escuros.
Zimbardo trabalhava com duas hipóteses. Prisões são violentas porque presos e policiais são violentos, daí estarem presos ou terem escolhidos essa profissão, respectivamente. Ou poderia ser pela própria natureza da cadeia, em que guardas uniformizados perdem a responsabilidade individual e detentos numerados perdem a identidade.
Em poucas horas, o time dos "guardas" veio com uma lista de 17 regras que os "prisioneiros" deveriam cumprir. Logo, excessos seriam cometidos pelos "seguranças". Um deles, mais sádico, apelidado de "John Wayne" pelos "detentos", mandou dois "prisioneiros" ficarem nus se beijarem. O que se recusou foi enviado para a "solitária". Em três dias, Zimbardo se viu obrigado a interromper o estudo que deveria durar duas semanas. Ainda hoje, a "Experiência da Prisão" é considerada a base da chamada "psicologia ou a psique do "mal'" e citada em inúmeros estudos sobre a violência. A experiência inspirou inclusive um filme alemão ("Das Experiment", exibido no Brasil em 2003).
Histriônico, pavão, Zimbardo tem uma legião de fãs e alguns críticos. Um deles é o ex-presidiário Carlo Prescott, consultor da "Experiência da Prisão", que hoje o acusa de ter exagerado demais o aspecto teatral e se preocupado de menos com o científico. Zimbardo responde apenas com um "está tudo documentado". (SD)


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