São Paulo, domingo, 17 de fevereiro de 2002

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MÍDIA

Para jornal, ela induziu o público ao erro ao negar vício

Processo de Naomi Campbell expõe relação modelos-drogas

JAMES SHERWOOD
DO "THE INDEPENDENT"

A organização NA (Narcóticos Anônimos) ganhou uma nova garota-propaganda. A supermodelo Naomi Campbell está processando o tablóide britânico "The Mirror", que publicou em sua primeira página uma foto em que ela aparecia saindo de uma reunião da NA, sob a manchete "Naomi: sou dependente de drogas".
Ela está processando o jornal por quebra de confiança e invasão ilegítima de privacidade -não deixa de ser um argumento justo, quando se considera que a placa acima da porta dizia "Narcóticos Anônimos". Mas será que a revelação foi tão chocante assim?
O "The Mirror" afirma que Naomi induziu o público ao erro quando disse ao "Paris Match" "nunca tomo estimulantes nem tranquilizantes", e, depois, à apresentadora de TV americana Barbara Walters, que nunca ninguém lhe oferecera drogas. Francamente, qualquer pessoa ingênua a ponto de acreditar na possibilidade de ninguém nunca ter oferecido drogas a uma supermodelo merece continuar vivendo alegremente alheia à vida real.
As drogas e a moda são amigas de longa data. Em 1997, a morte do fotógrafo de moda Davide Sorrenti, por overdose de heroína, aos 20 anos de idade, levou a questão às manchetes dos jornais. Sua namorada, na época, era a modelo adolescente James King, e seu irmão, o modelo Mario, namorava a top model Kate Moss.
Hoje atriz, King tinha 14 anos quando primeiro lhe ofereceram heroína numa sessão de fotos de moda. "Eu vivia cercada por drogas. Era algo que estava sempre presente. O editor, o fotógrafo, todo o mundo fumava ou injetava drogas, então era natural que eu fizesse o mesmo. Eu achava que era assim mesmo que as coisas funcionavam. Se eu injetava heroína? Não, eu cheirava."
A heroína só teve seu momento fashion com a chegada da moda grunge, em 1993, quando Kate Moss, fotografada para a "Vogue" britânica por Corinne Day, se tornou o rosto do "heroin chic".
"Eu era esquelética, com olheiras pretas debaixo dos olhos. Era assim que me queriam. Sinto náuseas quando me lembro", diz King. "O vício custava caro, mas eu tinha dinheiro. Quando se dá milhares de dólares a uma garota de 15 anos, ela vai comprar muitos sapatos, muitas roupas -muito de qualquer coisa que estiver curtindo no momento. As revistas escreviam barbaridades a nosso respeito, mas não paravam de nos dar trabalho".
Entrevistada para um documentário da emissora Channel 4, em 1998, Kate Moss disse: "Não uso mais drogas do que as outras pessoas. Não as pesadas -especialmente a heroína, depois do que aconteceu com Davide". Essa atitude despreocupada demonstra uma sintonia muito maior com a atitude pública geral em relação às drogas do que o "não" categórico de Naomi Campbell.
Algumas modelos afirmam que nunca viram drogas sendo consumidas no mundo da moda. "Ouço boatos, mas nunca vi", diz Cindy Crawford. "Talvez eu seja ingênua", afirma Christy Turlington. "Experimentei drogas e álcool na escola, mas não desde que sou modelo. As pessoas não usam drogas na sala de maquiagem."
Segundo o fotógrafo Peter Lindberg, modelos "precisam dormir para estarem maravilhosas no dia seguinte. É impossível uma modelo fazer sucesso e usar drogas."
Mas, como prova a carreira de Naomi Campbell, isso não é verdade. O que é impossível é uma modelo dependente de drogas ou álcool continuar fazendo sucesso por muito tempo. Uma adolescente aguenta excessos ocasionais, com poucas repercussões físicas no curto prazo, mas uma modelo de 30 e poucos anos, não.
No que diz respeito a seu envolvimento com drogas, pode-se dizer que Naomi Campbell é mais vítima do que vilã. Ela era uma colegial de 14 anos quando, em 1985, foi descoberta e fotografada para a "Elle" britânica. A vida já é dura para qualquer adolescente dos subúrbios, mesmo sem as pressões e tentações do mundo da moda.
Um ponto a favor de Naomi é o fato de ela ter procurado a ajuda dos Narcóticos Anônimos: sejam quais forem seus outros defeitos, ela não é burra. A história da moda moderna é repleta de exemplos de modelos que não souberam agir com a mesma maturidade. A modelo dos anos 70 Gia Carangi, por exemplo, é mais conhecida hoje por ter sido dependente de heroína e morrido de Aids em 1986 do que por seu trabalho.
A modelo Imam, mulher de David Bowie, conta: "Já fiz tudo: sexo, drogas e rock'n'roll. Hoje, faço rock'n'roll e um pouco de sexo, mas as drogas deixei para trás".


Tradução de Clara Allain




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