São Paulo, domingo, 17 de fevereiro de 2002

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GUERRA SEM LIMITES

Para autor de "Bobos in Paradise", atentados deixaram classe alta mais preocupada com a vida pública

Ricos dos EUA mudaram após 11 de setembro

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

Depois de 11 de setembro, os bobos mudaram. Evoluíram. Pelo menos os bobos norte-americanos. É o que garante o descobridor deles, o jornalista David Brooks, autor do best-seller "Bobos in Paradise - The New Upper Class and How They Got There" (Bobos no Paraíso - A Nova Classe Alta e Como Eles Chegaram Lá, Simon & Schuster, 2000).
Seu livro, ironia e sarcasmo da primeira à ultima página, criou o neologismo "bobo", sigla de "bourgeoise bohemian" (burguês boêmio, em inglês), que define à perfeição a nova classe endinheirada norte-americana, que junta os valores utópicos dos hippies dos anos 60 ao materialismo voraz dos yuppies dos anos 80.
A Folha foi atrás de Brooks, que tem uma coluna na revista dominical do "The New York Times" e colabora com as revistas "Newsweek" e "The Weekly Standard" e com a rede de TV CNN, para saber o que tinha mudado na elite americana depois dos ataques terroristas de setembro.
Leia abaixo sua opinião:

Folha - Os "bobos" mudaram depois de 11 de setembro?
David Brooks -
Sim, mudaram muito. Por exemplo, eles eram muito preocupados com a vida privada e pouco interessados na vida pública. O mundo além de suas caminhonetes e mansões não era muito excitante. Agora, perceberam que a vida privada requer proteção pública, então surgiu um grande interesse no governo e sua política externa.
Antes disso, havia o sentimento de que o comércio era mais importante do que a política e que os verdadeiros heróis eram pessoas como Bill Gates. Mas agora, que tantas pessoas morreram aqui e continuam morrendo no Afeganistão, o dono da Microsoft já não se parece tanto com um herói.

Folha - E isso é temporário?
Brooks -
Algumas coisas não serão temporárias, as pequenas mudanças no estilo de vida devem permanecer. Se você perguntar o que eles estão comprando ou se eles estão indo mais à igreja ou se eles estão se juntando a alguma organização, então não houve muitas mudanças.
Mas houve uma mudança na auto-estima, no sentimento de que nós temos o poder de mudar o mundo e que deveríamos fazer isso. Então, há um interesse em usar essas grandes instituições, o governo para melhorar o mundo. Acho que o interesse na vida pública não será temporário.

Folha - De que maneira os EUA em geral mudaram?
Brooks -
Vejo principalmente mudança nos jovens. A única coisa que os mais novos sabiam sobre política era o escândalo Monica Lewinski. Agora estão mais ligados ao resto do mundo. E mais ligados em poder e política.
Acreditam que os EUA têm uma missão no mundo, as pessoas tinham se esquecido disso, esse conceito vai e vem na cultura americana. De vez em quando, historicamente falando, as pessoas passam a acreditar que os EUA devem ser um país missionário em relação à democracia.

Folha - O sr. acredita nisso?
Brooks -
Sim. O país foi fundado com uma declaração de independência que acredita que todos os seres humanos nascem com uma série de direitos, e basicamente esses direitos são democráticos. Acredito neles, a maioria dos americanos, também.
E nós devemos fazer o que for necessário para ajudar que outros países também sejam tão democráticos quanto o nosso e que descubram a própria democracia. E que todos os governos que não são democráticos não devem ser considerados legítimos.

Folha - Por falar em patriotismo exagerado, o editor da revista "Vanity Fair" deu uma declaração no calor dos dias que se seguiram a 11 de setembro da qual provavelmente se arrepende hoje. Segundo ele, a ironia tinha acabado. O sr. concorda com isso?
Brooks -
Ele tentou corrigir depois dizendo que o que tinha acabado era o "ironing" (passar roupa a ferro, em inglês). (risos) Bem, o país ficou mais conformista depois de 11 de setembro, mas quanto mais nos distanciamos da data mais perdemos isso e voltamos a ser mais parecidos com antes. A cultura popular continua tão estúpida e pouco séria quanto era antes.

Folha - Se você fosse escrever "Bobos" hoje, sairia igual?
Brooks -
Seria muito diferente. Posso garantir que ninguém teria ligado para o livro. Algumas coisas que escrevi continuam valendo, como por exemplo o que acontece quando as pessoas educadas ganham dinheiro, mas as piadas do livro, as piadas sobre compras, por exemplo, não teriam mais muita graça.

Folha - Por falar nisso, qual a nova moda entre os bobos?
Brooks -
Uma coisa importante é o colapso das empresas pontocom e o colapso da Enron. O "New York Times" publicou outro dia uma foto do Kenneth Lay, o ex-executivo que fez grande parte das besteiras na Enron, e ele é um bobo clássico, usando jeans, Timberland e um blazer.
Antes havia o sentimento de que você deveria ser um radical. Independentemente de quem estivesse no governo, essa pessoa não tinha influência na sua vida. Agora há mais a procura pela autoridade, pela pessoa que não é um radical mas tem credibilidade.

Folha - E seu próximo livro?
Brooks -
Tenta responder à seguinte questão: "Por que os EUA parecem tão frequentemente ser um país estúpido?". Como podemos ser um bom país mas ao tempo parecendo tão estúpido?

Folha - Aliás, bobo em português quer dizer tolo. O sr. sabia?
Brooks -
Soube só depois de escrever o livro. Tem vários significados em outras línguas, se não me engano em francês quer dizer um pequeno corte. Mas acho que a tradução em português e espanhol é a mais apropriada (risos).



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