São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 2008

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ARTIGO

Mentalidade da guerrilha é militar

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em seus "Cuadernos de Campaña", anotações sobre as Farc, Manuel Marulanda Vélez deixa transparecer o que parece vigente até hoje. A formação guerrilheira é de mentalidade sobretudo militar. São as armas, não as idéias, os principais objetos de combate; o que leva à conclusão de que elas só podem ser destruídas militarmente.
Estariam se desintegrando, como dizem especialistas, depois do "tiro no coração" que foi a morte de seu segundo no comando? Um aprendizado de quase meio século de sobrevivência no mato não se esvai de uma hora para outra.
Marulanda é o nome de guerra de Pedro Antonio Marín, mais conhecido como "Tirofijo", ou tiro certeiro, apelido que define seu campo preferencial de atuação. Ele é o mais velho guerrilheiro do mundo -quase 80 anos-, já foi dado como morto e não se limita a ser uma lenda. É a figura dominante entre os sete comandantes do estado-maior das Farc.
Militarismo à parte, Marulanda insiste em que as Farc continuam comprometidas com os "ideais básicos do socialismo", como as nacionalizações. Foi o que declarou em rara entrevista à "Semana", publicação colombiana. Também disse que "o povo não pode morrer de fome, não ter casa, carros, teto sobre suas cabeças, ficar sem educação, saúde, enquanto outros têm prédios regados a dólares".
A construção de um verdadeiro exército, submetido a manuais militares, teria partido da disposição de ter uma tropa de combate de formato convencional, com recrutas, soldados, oficiais e comandantes. É complicado lidar com as Farc politicamente, como constatou em 1999, num episódio bizarro, o presidente na época da Bolsa de Valores de Nova York, Richard Grasso.
Ele foi ao reduto da guerrilha, num território do tamanho da Suíça onde ela operava livremente, com sua mensagem capitalista. Nunca de soube com exatidão quem foi seu interlocutor, se o próprio "Tirofijo" ou Raúl Reyes, o vice, morto agora.
Grasso solicitou o encontro para discutir "investimentos estrangeiros e o futuro papel dos negócios dos EUA na Colômbia". Ainda por cima convidou os líderes da guerrilha a visitarem a bolsa, "para que conhecessem o mercado pessoalmente". A incursão de Grasso teve o aval do governo colombiano, na época em negociação.
As Farc entraram firmes no comércio de drogas, assumindo uma parcela do que já havia se instalado em cada setor da sociedade colombiana, como mostrou o chamado Processo 8.000, a cargo da procuradoria-geral. Tratou-se de ampla investigação judicial sobre a inserção do narcotráfico na sociedade colombiana, envolvendo sobretudo os Três Poderes.
O narcotráfico colocou o próprio gabinete presidencial na geografia de influência dos narcos, além de parlamentares, magistrados etc. Num mesmo sistema de faturamento entraram os reféns, como objetos de troca que integram o orçamento de uma organização mais militar do que guerrilheira.


O jornalista NEWTON CARLOS é especialista em questões internacionais


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